No tempo que corre a gente n?o percebe o quanto mudamos, mesmo que digamos: n?o tem jeito, sou assim mesmo.
Beliel desceu satisfeito, examinando com prazer aquele que um dia chamara de irm?o.
Agora só conseguia ver apenas um simples gigante amarrotado e maltratado pela vida, perdido em pensamentos, sentado numa pedra velha e cheia de musgo na borda de um precipício, esquecido sob aquelas nuvens pesadas e apressadas, parecendo acossadas por algo que anunciava a vinda de alguma coisa intensa demais.
- Que vis?o patética para um anjo – Beliel cismou com desprezo.
> Ent?o é mesmo verdade que agora você é um vigilante, t?o desgra?ado quanto nós, sobre os quais se julgava t?o imponente, Lázarus? – saboreou. – Achei que acabaria por encontrar algum meio de reverter isso.
- Sabe que nem tentei, Beliel? Triste?
- Ah, sim, triste por você. Você está ciente de que agora pode ser morto, n?o sabe?
- é, tem muita gente me avisando disso ultimamente – sorriu.
- Que bom que sabe – saboreou - Agora você sente o que é ser traído, n?o sente? Sente isso no seu cora??o? – debochou sentando-se em um tronco de árvore que a última tempestade derrubara.
Lázarus suspirou, incomodado com a presen?a do outro. Estranhou o prazer e a morbidez com que ele se aproximara, acreditando que ele estava sofrendo. Sempre o julgara como um irm?o, mas isso parecia que n?o era mais verdade. No entanto tinha certeza de que, se observasse bem, havia duas esperan?as ali. A primeira de que talvez ele debandasse para o lado deles, de t?o revoltado que estaria. Sem chance, pensou com prazer. A segunda era de que ele talvez tivesse encontrado alguma forma de assaltar o céu, alguma forma que eles pudessem seguir.
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- Acho que ele já dúvida dessa – sorriu.
> N?o tenho a quem culpar, Beliel. Estou aqui por vontade própria. Minha família e Urantia têm uma liga??o muito antiga e profunda... Na verdade, você bem sabe que era aqui que eu queria estar. Ent?o, para mim está tudo bem.
- Você, sua família e esse maldito planeta.
- Um grupo e tanto, n?o é mesmo? Eu me lembro de tempos em que você se julgava parte da minha família – estocou.
- Muito tempo atrás, quando eu acreditava em vocês, antes que nos traíssem.
- Trai??o? Seu caminho, em um momento, se distanciou de nós. N?o houve trai??o, houve incompatibilidade – declarou com a voz tranquila e um pouco ausente, como se aquele assunto n?o lhe fosse interessante.
- Ah, pode gritar que n?o, mas foi trai??o sim, e uma trai??o bem nojenta. Mas, sabemos qual foi a causa da trai??o de vocês: Urantia. Sempre ela, a magnífica Urantia, a maldita Urantia. Já pensou se ela n?o existisse? – falou baixo, se levantando.
Lázarus levantou o rosto e o observou atentamente. Agora sim, via algo preocupante ali.
- Algum pensamento idiota, Beliel?
- Ah, apenas possibilidades. N?o s?o as possibilidades que nos colocam frente às escolhas? – sorriu sarcástico e cheio de fel.
- E você as viu com cuidado? – perguntou, a voz séria, sondando as mínimas linhas do rosto daquele ser doentio que um dia chamara de irm?o. Sabia que ele ainda estava debaixo de toda aquela dor e revolta idiota, e que um dia iria retornar, mas agora n?o. Agora era só um demente que estava na frente dele.
- Ora, noto deboche? Uma evolu??o aqui... Maravilha. Ah, esqueci. Você também n?o consegue sondar além da quarta, n?o é mesmo? Mas, que pena – soltou, a voz sibilando bem lentamente, espessa de prazer. - Preso nessas duas dimens?es escuras, dolorosas e malcheirosas, junto com esses animais que se julgam alguma coisa.
- Já deveria saber que seu discurso de imbecil, ou mesmo parte dele, n?o me comove. Por que n?o vai embora? Vai, e tire qualquer pensamento idiota da sua mente – avisou, a voz pesada e lenta.
- Me amea?ando, caído?
- Bem sabe que n?o sou de amea?ar. Junte todas as for?as que puder juntar, Beliel, se pensar em fazer algum mal à Urantia e às consciências do UM que aqui est?o. E sim, esse é um aviso bem sério – falou, o tom duro e firme. Com bastante lentid?o, enquanto examinava a cara tensa do outro, abriu as asas e, bem devagar, se elevou. Só quando estava bem alto girou e ganhou velocidade, tomando a dire??o do interior do continente.