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A GRANDE BATALHA

  Há certos nós no tempo onde tudo parece se manter em expectativa, aguardando só o caminho se mostrar.

  Lázarus flutuou alto, examinando todo o palco onde o enfrentamento se daria. Era um vale largo e verde, esse caminho conhecido como passagem Romin. Dos dois lados da passagem se erguiam montes pequenos e boleados, suaves, conhecidos como Montes de Cera. Um regato gentil corria ali, aos pés dos montes mais a leste. Se deixou perdido na contempla??o daquele caminho líquido que faiscava sob o sol. Desceu suave sobre o córrego, mantendo os pés sobre a lamina d’água, sem se deixar afundar. Ficou alguns segundos assim, sentindo a energia penetrar pelos seus pés, uma energia poderosa, apesar de extremamente gentil.

  - Nos perdoe pelo que vai acontecer aqui – desculpou-se com as ondinas das águas. – Logo suas margens queimar?o, e o que cuidam com tanto zelo será profanado e o sangue de seres que ajudou a criar correrá em você. Mas, ... n?o demorará, e tudo voltará ao normal – despediu-se, deixando a paisagem ir se ampliando e se descortinando enquanto subia lentamente.

  Nos montes à direita da passagem, no topo do monte mais elevado, se esticando por mais dois montes ao lado, viu uma aldeia de tamanho razoável feita de paredes de pedra e tetos de capim, que reconheceu se tratar da bela Drazun. Agora ela estava quase que totalmente destruída. Examinando o lugar com mais cuidado viu que a destrui??o ocorrera n?o fazia muito tempo: havia ainda muita madeira fumegando por lá. Com alívio Lázarus n?o viu nas ruinas sinais de morte, ainda.

  - Era simples, mas era bem bonita essa cidade – pensou passando os olhos pelo povoado. Notou que as pessoas haviam conduzido a água para os topos por encanamentos de bambus, bombeamento e técnicas que deviam ser pelas artes das iaras e ipupiaras. Agora, com os encanamentos destruídos, as águas que chegavam aos topos vertiam livre pela encosta do maior deles.

  - Foram eles que destruíram o povoado? – perguntou para um curupira que estava ali desde o come?o do ajuntamento t?o logo desceu na frente dos danatuás.

  - Foram! Acho que queriam nos dar um sinal, ou evitar que usássemos o povoado como base.

  - Terras arrasadas... - reconheceu. – Beliel nunca gostou de deixar coisas para os que chamava de inimigos, mesmo que representasse uma destrui??o enorme de vidas e ser a causa de enormes sofrimentos quando as guerras acabassem – falou Lázarus, tirando a aten??o do lugar e colocando-a à frente, no exército inimigo, perfilado algumas léguas além. Era um exército muito grande, de onde exalava um poder ruim.

  Com cuidado vasculhou a longa muralha de seres, até que reconheceu Beliel. Seu cora??o se encolheu um pouco. Focou a aten??o nele, na energia dele.

  > Pelo Trov?o, como o meu irm?o caiu, como está irreconhecível – sentiu com pesar. – Será que ele se lembra de quando combatemos Negrumo, nas montanhas bem atrás dele?

  > Mantém sua inten??o, Safiel? – perguntou se voltando para o anjo, que em silêncio também observava o exército dos vigilantes, a voz tranquila e fria.

  - Ela está mantida, Lázarus. Essa guerra n?o nos compete. As escolhas foram feitas.

  - Eu entendo, Safiel – declarou Lázarus, voltando novamente sua aten??o para as muralhas de vigilantes formadas à frente, postadas no céu e na terra. – Livre-arbítrio – suspirou.

  - Isso mesmo, livre-arbítrio. Por isso, n?o nos compete nos intrometermos nela.

  - Fechar os olhos a alguma coisa n?o os manterá protegidos. é a escurid?o que está logo ali, Safiel...

  - Tudo tem seu momento. N?o sentimos que o momento para esse enfrentamento seja agora, e nem o que o motiva. Sei que vai perceber que algo está diferente – sussurrou, desaparecendo logo após, para alívio de Beliel, que mantinha de larga distancia os anjos sob grande aten??o.

  Com o cora??o em festa Beliel virou-se feliz para os seus.

  - E ali est?o eles, esses pobres e desprezíveis seres – gritou para os seus, apontando para a fileira de pessoas, homens e vigilantes que se postava ao longe. – Aqui e na quarta dimens?o eles est?o sozinhos, abandonados, pelos anjos e pelo UM, que s?o os aliados pelos quais lutam. Urantia é nossa, e aqui nós tomamos posse dela, para fazermos o que bem quisermos – bradou.

  Urras subiram dos mantos e dos caídos em forma humana que levantaram alto suas garras e mostraram com orgulho as espadas.

  Ariel suspirou, as espadas guardadas nas bainhas, os olhos perdidos nas fileiras que se posicionavam contra eles, cismando quantos deles um dia chamara de amigos. Agora estavam ali, tomados de ira, esquecidos na maior escurid?o. Afastou com vigor esses pensamentos. Aquela n?o era a hora de ter piedade.

  - Apenas a mais pura compaix?o enquanto a espada avan?a – recitou na parte mais rec?ndita da alma, os olhos passando por ánacle e FlorDoAr, concentrados ao seu lado.

  Rapidamente conferiu na distancia as crian?as, e viu que estavam bem protegidas por alguns anhangás e vários caititus e queixadas, e por um atento ardun.

  Encheu o peito, satisfeita pelo que estava para acontecer.

  > Há algumas coisas que n?o podem ser deixadas para o futuro – saboreou.

  - Sei que duvidar é já criar a própria derrota – Lázarus ouviu um grande anaquera cismar, logo ao seu lado, - mas acha mesmo que podemos lutar contra tantos?

  Lázarus, com a alma em paz, olhou em seus belos olhos felinos e sorriu confiante.

  - Teme a morte, meu amigo? – perguntou se voltando novamente para as fileiras inimigas.

  - Sou um dem?nio. Que morte eu poderia temer? Apenas detesto a derrota.

  - Derrota é uma outra coisa que n?o existe... – sussurrou. - O que é a derrota? O resultado ruim de um momento pode significar a vitória em outro. é como empenhamos nossa alma que representa algo.

  - Vocês anjos com suas palavras sem conteúdo – riu baixinho. – Derrota é perder, e isso é algo em que n?o acredito.

  - Ent?o por que duvida agora do que falou? Se acreditasse n?o teria ido embora? – perguntou Ariel ao lado, os olhos fixos nas fileiras dos caídos.

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  - Infelizmente acredito no que estamos para nos envolver. Por isso, até mesmo abro m?o da vitória, mesmo detestando isso – riu mostrando as presas pontiagudas. – Vai ser um prazer vendê-la caro.

  Lázarus sorriu, voltando-se para encarar os danatuás, apontando com o bra?o esticado as fileiras dos caídos.

  - Vejam seus números – falou alto. – S?o muitos, infestando a terra como formigas corredeiras, como fuligem que se dispersa no ar. Mas eles n?o têm o que está em nossas almas: nós n?o lutamos só por nós e por nossos desejos. Por isso – falou, elevando a voz que vibrou forte pelo ar, – nós prevaleceremos nesse dia, porque n?o abrimos m?o do que somos, como n?o esquecemos da verdade que nos move. Danatuás somos todos nós, hoje, aqui – gritou sacando a espada que levantou para o céu, brilhando em azul com a sangria pulsando em um azul de tom bem mais escuro, se voltando para os caídos. - E eles sabem disso, por isso o medo que sempre trazem na alma está para destruí-los de vez.

  Súbito, tomado de poder, comandou a carga contra o exército inimigo.

  Conforme o combinado viu Ariel e muitos dem?nios desaparecendo das vistas, subindo direto para a quarta dimens?o.

  Lázarus sentiu como se tivesse batido com violência contra um muro de pedras. Os movimentos eram frenéticos, de ambos os lados. Espadas e espor?es cortando e rasgando, perfurando e destruindo, numa terrível sanha, sem honra e sem qualquer forma de perd?o, que ficavam relegados para algum lugar no futuro.

  Lázarus segurou o pesco?o de um caído e o esmagou com ferocidade, a espada cortando um outro pelo meio. Foi atingido algumas vezes, viu o sangue, mas n?o sentiu qualquer dor ou desconforto, que também estariam para o futuro, sabia.

  Ent?o se pegou preocupado, sua mente resvalando, se perguntando se Ariel estaria bem.

  A dor o atingiu forte, obrigando-o a se concentrar novamente. Apressadamente se afastou do gigante que o atacava, tentando desesperadamente se recompor. Mas o gigante estava com a vontade fixa nele, e avan?ava mais rápido do que ele conseguia se afastar.

  O golpe foi muito poderoso. Sua espada tremeu em sua m?o, e mais uma vez e outra. De surpresa conseguiu se abaixar e girar, cortando a metade do joelho esquerdo do caído. Ia desferir outro golpe quando o gigante, mesmo de joelhos, o atingiu no ombro com sua espada escura, abrindo até o osso. O golpe o empurrou forte contra o solo. Lázarus levantou a espada, bloqueando no último segundo o golpe contra sua cabe?a. Mas ele foi t?o forte que empurrou a lamina de sua própria espada contra o elmo que protegia o seu craneo, amassando-o e pressionando dolorosamente sua cabe?a, o que o atordoou.

  Aquele era o último segundo, percebeu, se preparando para receber o golpe final, se lembrando que agora era um caído e poderia morrer como qualquer outro. Depressa passou a m?o pelo elmo e o recomp?s um mínimo, retirando a press?o que tanto o torturava.

  Ent?o, como último recurso, se deixou cair pesado de lado, rolando para perto da perna do gigante.

  Sentiu o ch?o tremer e soube que a espada do caído devia ter rasgado todo o ch?o onde estivera.

  Sacou depressa a adaga e a afundou com toda a for?a na panturrilha do oponente, puxando-a com violência para si, rasgando o apoio do caído.

  O viu tombar em dor.

  Sem pensar, ainda um pouco tonto, saltou e cortou fundo a sua nuca.

  Tomado de suor tombou junto com ele, o corpo tremendo do esfor?o.

  Levantou-se com dificuldade, tentando arrumar tempo para se recompor, rezando para que os segundos que tinha até a nova carga fossem suficientes.

  Nem pode acreditar quando o a?oite desceu com for?a ao seu lado, espalhando fogo a toda a volta, fazendo um arco protetor.

  Como se fosse em camara lenta viu um grande vigilante olhar fixamente para o drag?o, e tomar sua dire??o. Nem pode acreditar quando a?oite se fixou nele. O fogo atingiu o ser que nem teve tempo para gritar. Como bola de fogo se contorceu e caiu no solo, como um peda?o de lenha de alguma fogueira abandonada. Lázarus olhou para os lados, preocupado com a prote??o do filhote, mas ficou aliviado quando viu um anhangá e dois cainamés surgirem ao lado deles, dando combate à nova carga contra si.

  Depressa se curou dos ferimentos mais graves que estavam drenando as suas for?as e se levantou mais recomposto, auxiliando os três contra os inimigos. Sentia uma energia diferente e vibrante.

  - Ent?o é assim que lutam os que podem morrer – vibrou na nova energia que corria pelo seu corpo.

  Ariel segurou o golpe com determina??o. Tomada de energia aumentou sua luz, como os outros dranians que estavam ao seu lado também faziam, iluminando todas aquelas paragens sombrias. Muitas formas-pensamentos se desfizeram, enquanto grande quantidade de dem?nios avan?ava aos gritos contra eles.

  N?o foi fácil, mas conseguiram segurar toda a for?a do golpe, que lentamente foi enfraquecendo.

  Foi com grande satisfa??o que os viu surgindo por trás das fileiras inimigas, pegando-os de surpresa.

  Um dos raros juguenas junto com um grande bando de juruparináhs avan?ava como uma onda terrível, destro?ando e transformando em fuma?a o que quer que se punha em seu caminho. Com pesar viu que muitos deles também eram mortos, mas a balan?a estava nitidamente a favor deles.

  Os caídos, confrontados por todos os lados, resistiram o mais que puderam, mas logo se puseram em desabalada fuga, caindo para a terceira dimens?o, no que foram seguidos pelos dranians e pessoas dem?nios.

  Lázarus a viu surgir ao seu lado, e soube no ato que pelo menos n?o haveria qualquer tentativa de atingi-los pela quarta dimens?o. Respirou aliviado, apesar de todos os seus músculos estarem doloridos.

  Num exame rápido viu o quanto Ariel estava ferida. Porém, parecia estar bem, n?o sendo nenhum deles de gravidade.

  Sorriu quando ela deu de cara com o a?oite e mostrou toda sua alegria num grito de sauda??o entusiasmada, o que foi correspondido pelo drag?o que rapidamente deu uma volta em torno dela, logo voltando à carga contra os vigilantes e nefelins.

  Depressa conferiu o estado de Ariel, e ficou mais tranquilo. Ela parecia valsar no ar, atacando com uma eficiência invejável. Ao lado dela viu se posicionarem FlorDoAr e ánacle, avan?ando todos com metódica e letal lentid?o para dentro das fileiras inimigas, mesmo quando Ariel e alguns dranians se lan?avam para o alto, para dar combate a algum voador que estivesse acima, ajudando as harpias, carcarás e caracarás que protegiam o ar.

  Foi ent?o que Lázarus viu o momento t?o aguardado. Havia um espesso ajuntamento mais à esquerda, e desconfiou que os que estavam lá comandavam as cargas contra eles, juntando as vontades dos caídos e seus aliados para fazer-lhes frente.

  De súbito viu Ariel entender o que ele buscava, e se preparar para atacar aquele lugar.

  Com for?a fincou um joelho na terra macia, a espada enterrada no ch?o até a metade. Tomado de poder socou o solo, fazendo ribombar pelo seu interior o chamado t?o aguardado.

  Sem esperar que eles se levantassem, pois sabia que as pessoas fantasmas iriam progredir através do solo, tomou a dire??o do lugar onde estavam os comandantes, e esperava, onde Beliel se protegia. Aquela, sabia, era a grande cartada, ter obrigado os comandantes a se juntarem em algum lugar. Se errassem ali, provavelmente tudo iria cair.

  Como um desvairado atingiu a borda da muralha de prote??o, rasgando e se batendo, logo surgindo Ariel, a?oite e vários dem?nios ao seu lado. Com prazer viu o pavor crescendo nas fileiras inimigas, que passaram a gritar por apoio.

  Com enorme satisfa??o viu botarem do solo milhares de pessoas fantasmas. Eram angoeras, atandés e cabe?as-do-mal levantando-se dentre eles e dando-lhes combate acirrado. As for?as de defesa dos inimigos foram caindo por toda a volta.

  Foi ent?o que Lázarus o viu, e soube que seu momento havia chegado. Por mais que lhe doesse, sabia o que teria que fazer, deixando de lado as terríveis consequências se acaso falhasse.

  Sem perda de tempo mergulhou ainda com mais energia, o corpo brilhando como uma ponta de flecha iluminada por um sol vermelho.

  Beliel o viu se aproximar, e se julgou pronto para impor-se. Mas a for?a do impacto o lan?ou longe. Assustado viu quando o vigilante, tomado de furor, sem qualquer sinal de piedade no rosto voou novamente contra ele.

  Algo, do fundo de suas memorias perdidas se levantou, ao ver a fúria que tomava Lázarus. Já o vira lutar assim, desvairado, como se tivesse sido possuído por algo frio e impiedoso, totalmente cheio de poder, e soube o que poderia esperar.

  Com um movimento pesado e quase à beira da exaust?o se refugiou para trás, pondo entre ele e Lázarus um grande batalh?o de vigilantes. Mas, a ansia e o poder com que Lázarus e os seus comandados lutavam lhe mostraram que tudo estava perdido, ao menos por enquanto.

  Lázarus procurava n?o deixar Beliel se perder naquela massa insana e viu com preocupa??o o movimento que ele iria tomar.

  - Ele vai escapar, ele vai escapar – gritou poderoso no ar carcomido.

  Junto com os danatuás e muitos dranians aumentaram a press?o sobre as fileiras de Beliel, que lentamente foram cedendo, sendo empurradas para trás.

  Seu grito de ódio e frustra??o ecoou pelos montes e montanhas, quando Beliel e seu exército simplesmente desapareceram.

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