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Capítulo 7 - Retorno

  — Tudo foi um sonho?

  Olhando pela janela de seu quarto, que preservava cada detalhe de sua antiga vida, Ana refletiu sobre a estranha realidade que agora enfrentava.

  — N?o, isso é real, as pessoas est?o de volta — seu olhar caiu sobre suas m?os, os calos que representavam seus constantes esfor?os permaneciam em sua pele.

  Desligando o despertador, um gesto t?o mundano, Ana contemplou as ruas movimentadas. Pessoas riam e conversavam, jovens apressados manobravam com espadas penduradas em suas cinturas.

  — Espadas? — questionou-se, confusa ao tentar reconciliar a cena com vagas lembran?as do passado.

  — Bom, posso pensar melhor sobre isso depois de…— sua audi??o agu?ada captou baixas vozes vindas da cozinha, interrompendo seus pensamentos. Sua m?o instintivamente puxou a faca presa em seu cinto, reflexo de séculos de solid?o e autossuficiência. Ana n?o sentia medo, afinal n?o havia mais seres na Terra que pudessem ser uma amea?a, mas a estranheza da situa??o a fez ficar mais cautelosa do que o normal.

  Ao abrir a porta da cozinha, uma onda de emo??es a inundou.

  "Como pude me esquecer?", Ana n?o pode deixar de culpar-se, o cora??o pulsando em seu peito com uma mistura de alegria e dor..

  Uma jovem mulher, de cerca de 18 ou 19 anos, estava sentada à mesa com uma torrada em suas m?os. Ao seu lado, uma mulher de meia-idade preparava café com um sorriso gentil, mas sutilmente severo, um sorriso que lentamente se transformou em lágrimas ao encontrar o olhar de Ana atordoada em frente a porta.

  A verdade é que Ana n?o se lembrava bem delas, em suas memórias n?o passavam de um borr?o com rostos genéricos, desconhecidas de um passado que n?o existia mais. Mesmo assim, seu cora??o bateu forte e uma estranha palavra deslizou pela sua língua de forma pouco natural.

  — M?e... — a palavra escapou de seus lábios, embargada pela emo??o, enquanto uma lágrima solitária tra?ava um caminho por seu rosto, desafiando séculos de autocontrole e solid?o. Elas se abra?aram, um abra?o que transbordava o alívio e o amor acumulados ao longo de décadas perdidas.

  As mulheres ficaram nesta posi??o por um longo tempo antes do confortável silêncio ser quebrado.

  — Sabia que te procuramos em todos os lugares por um temp?o? Você devia ter deixado um aviso em alguma das cidades! Mas n?o, você preferiu n?o dar notícias por 10 anos! 10 anos! — gritou Jasmim em um tom de repreens?o. Seu rosto também estava molhado de lágrimas, mas exibia uma express?o de indigna??o.

  O inocente comentário de sua irm? fez a mente de Ana voltar à realidade com surpresa. "10 anos?", pensou, enquanto olhava novamente para sua irm?. Jasmim, a gentil e fofa garota de 9 anos que ela conhecia, agora era uma esbelta jovem mulher. Seu cabelo preso em um rabo de cavalo destacava seu rosto confiante e sua armadura de couro semi-desmontada expunha seus fortes, porém delgados, bra?os.

  Com a mente ainda girando, o olhar de Ana voltou para Margareth, sua m?e, notando detalhes que n?o havia percebido no momento de emo??o anterior. Ela estava claramente mais velha do que parecia em suas lembran?as, mas indiscutivelmente muito mais saudável. Diferente de Jasmim, sua m?e n?o usava armaduras, mas em seu cinto era possível ver diversas facas e itens que Ana n?o conseguia entender, mesmo com todo seu conhecimento acumulado.

  — O que está acontecendo aqui? — murmurou Ana, as palavras mal conseguindo capturar a complexidade de seus pensamentos. Ela tentava assimilar a nova realidade: um retorno ao lar que n?o era mais o mesmo, a um mundo que evoluiu sem sua presen?a.

  Margareth, notando a confus?o de Ana, ofereceu-lhe uma xícara de café, um gesto simples que carregava consigo uma tentativa de reconex?o. Ana aceitou, reconhecendo que, apesar da estranheza da situa??o, aquele gesto representava um ponto de partida para reconstruir la?os perdidos. Ana sabia que precisava falar algo, mas por onde come?ar? Como explicar séculos de solid?o, auto descoberta e treinamento intenso para uma m?e e uma irm? que acreditavam que apenas dez anos haviam passado desde o "Grande Vazio"?

  — Eu... estive procurando por respostas — Ana come?ou, lutando para encontrar as palavras certas. — Depois que todos desapareceram, eu me vi sozinha… ou melhor, quase sozinha… ent?o eu treinei, explorei, tentei entender o que aconteceu.

  As explica??es vagas geraram mais perguntas nos olhos de Margareth e Jasmim, mas Ana percebeu que o momento exigia simplicidade, n?o revela??es profundas.

  — Você treinou? Explorou? — Margareth repetiu, parecendo incapaz de compreender totalmente as palavras de Ana.

  — Sim, m?e. Eu treinei. Treinei todas as habilidades que pude, desde artes marciais até forja de armas. Eu... eu n?o sabia o que fazer, mas sabia que precisava me manter forte, encontrar um propósito — suas palavras pareciam fracas e inadequadas diante da magnitude de sua experiência.

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  — Isso é incrível, Ana! Você aprendeu a lutar? Ent?o você se tornou uma ca?adora, certo?! — Jasmim, por outro lado, estava mais intrigada do que perplexa.

  Ana for?ou um sorriso para sua irm? mais nova, apreciando o entusiasmo genuíno em sua voz. Ela n?o entendeu exatamente o que Jasmim quis dizer com "ca?adora", ent?o apenas continuou seu discurso.

  — Sim, Jasmim. Eu treinei muito, mas…

  — Mas?

  — Mas nada disso importa agora — Ana disse, sua voz ficando mais firme ao decidir que n?o valia a pena mencionar seu desespero ao ser abandonada em um mundo vazio. — O importante é que vocês est?o de volta. Por sinal, onde está meu pai?

  Um silêncio pesado caiu sobre a cozinha, rompendo brevemente com a harmonia do momento e trazendo ao primeiro plano o pesar que pairava no olhar da m?e.

  — As coisas n?o foram t?o fáceis nos primeiros dias…

  Ana respondeu com um aceno sutil de cabe?a a frase embargada de emo??o de Margareth, uma compreens?o silenciosa refletida no brilho de seus olhos. Embora o la?o com seu pai n?o fosse feito de inúmeras memórias compartilhadas, a indiferen?a n?o coloria seu cora??o; apenas a falta de lembran?as concretas a impedia de sentir uma dor profunda.

  Enquanto o aroma reconfortante do café fresco se mesclava com o burburinho distante da cidade despertando, um vislumbre inesperado de alegria e esperan?a aflorou em Ana. O futuro permanecia uma incógnita, porém, a monótona existência que ela conhecia até ent?o parecia ter chegado a um ponto de virada decisivo.

  Com a emergência de uma nova vida no horizonte, era crucial para Ana desvendar as camadas de seu novo ambiente.

  — Como eu disse, acabei ficando praticamente sozinha nos últimos anos... Jasmim, me explique melhor, o que s?o os ca?adores?

  — Ficou t?o reclusa assim? — Jasmim expressou uma surpresa genuína, mas sua express?o rapidamente transbordou de entusiasmo ao ter a chance de discorrer sobre um tema de evidente paix?o.

  Ela se inclinou para a frente, seus olhos cintilando com fervor juvenil enquanto mergulhava na explica??o.

  — Os ca?adores s?o uma espécie de grupo de sobrevivência que se formou depois que as pessoas foram para Aurórea. Muita gente morreu nos primeiros dias depois do teletransporte, principalmente as que apareceram dentro das florestas, ent?o rapidamente foram criados grupos para criar pontos seguros. Assim que tudo se estabilizou, as pessoas mais talentosas passaram a ser chamadas de ca?adores, s?o a elite!

  Ana assentiu, absorvendo as informa??es. Era fascinante para ela pensar que, enquanto ela estava sozinha, outros estavam lá fora, formando comunidades, adaptando-se a um mundo diferente.

  — Hmmm... imagine como um vasto jogo, se preferir.. Muitas cidades foram erguidas das cinzas, e com o frequente aparecimento de monstros todos tinham que se juntar para sobreviver — Jasmim continuou, percebendo a aten??o total de sua irm?. — Com o tempo, pessoas que pensavam de forma diferente foram se juntando, e para manter o mínimo de ordem foram estabelecidas as guildas. Existem guildas de todos os tipos, se você quer estudar magia, botanica ou criaturas, assim como se quiser simplesmente lutar, existirá uma guilda para você!

  Mordiscando sua torrada, ela n?o se deu por vencida em seu ímpeto de compartilhar.

  — Tecnicamente, todos s?o denominados ca?adores, mas só os de rank elevado realmente detém esse título. Claro, agora que estamos de volta, as regras podem mudar... mas a essência permanece.

  — Você parece ter muito interesse no assunto

  — Claro! Eu me juntei a eles! — o sorriso confiante mostrava o qu?o orgulhosa estava de si mesma — Crian?as se adaptaram muito melhor à magia do mundo novo, ent?o, quando cresci e ouvi falar dos ca?adores, percebi que era a oportunidade perfeita para mim. Mesmo que ainda esteja nos degraus iniciais...

  Sua express?o de orgulho rapidamente se misturou com frustra??o ao mencionar seu status inicial.

  Aurórea? Magia? Monstros?

  Ana absorvia cada palavra, suas suposi??es sobre a nova ordem do mundo sendo moldadas pelas narrativas ouvidas. Sem perceber, o sorriso sereno de momentos atrás cedeu lugar a um sorriso faminto de conhecimento.

  A quietude que ela havia adotado ao longo de um milênio era uma máscara que a solid?o havia esculpido. No fundo, Ana se orgulhava de seus feitos e ansiava vorazmente por desvendar os mistérios que ainda desconhecia. Uma sede insaciável de aprender come?ava a florescer em seu ser, uma ganancia oculta que até ent?o permanecera adormecida. Ana desejava conquistar esse novo mundo e observá-lo do vértice mais alto.

  — Você também notou, n?o é, Jasmim? — os olhos de Margareth estavam carregados de intensidade enquanto acendia um cigarro com m?os trêmulas.

  Ana havia se recolhido ao seu quarto, deixando as duas mulheres sozinhas na varanda, imersas em uma quietude contemplativa.

  — Sim, algo n?o está certo — sua express?o grave refletindo a seriedade de sua m?e. Seu olhar perdia-se na imensid?o do céu matinal, como se buscasse respostas nas nuvens passageiras.

  — N?o é só isso, Jasmim. Havia uma estranha ausência de mana nela

  — Como pode ser? Tudo que respira neste mundo é permeado pela mana — Jasmim franziu a testa, confrontando o dilema que ambas evitavam. — Você acha... Será que ela se tornou uma sombra?

  Um calafrio percorrendo a espinha das mulheres, apesar do vento frio de outono que já acariciava suas peles arrepiadas.

  — Eu n?o sei, querida — A voz de Margareth falhou, um sinal de sua crescente dúvida e medo. — Ela parece ser minha filha, a menina que eu criei, mas agora... há um vazio em seu olhar, como se estivesse olhando para um abismo sem fim. Se for o pior cenário, podemos ser for?adas a matá-la — ela trincou os dentes, dando uma última e profunda tragada no cigarro antes de lan?á-lo ao asfalto, seu brilho laranja extinguindo-se como uma última centelha de esperan?a.

  Um silêncio espesso envolveu a varanda, cada uma perdida em seus pensamentos turbulentos, ponderando o peso de suas próximas escolhas. A conex?o familiar que outrora as unia agora parecia suspensa em um fio delicado de incertezas e medo.

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