O despertador tocou pela terceira vez naquela manh?, arrancando Duke de um sono raso e insuficiente. Ele se sentou na cama com dificuldade, o corpo ainda pesado e os olhos semicerrados, como se a madrugada ainda o tivesse preso pelos tornozelos. A luz cinzenta da cidade filtrava-se pelas persianas mal fechadas, projetando sombras irregulares no teto rachado do apartamento.
Ele se levantou devagar, como quem carrega o peso de um dia que já come?a cansado. O uniforme amassado da lanchonete pendia da cadeira, e ao lado dele, um par de tênis gastos parecia mais exausto do que o próprio dono. O café era sempre instantaneo, e o p?o, se n?o estivesse embolorado, era uma sorte.
Enquanto escovava os dentes, olhava para si mesmo no espelho com uma express?o que os outros chamariam de apatia. Mas n?o era apatia. Era conten??o — como um vidro grosso entre ele e o mundo. Havia muito mais nele do que deixava transparecer, mas mostrar cansa?o demais era perigoso onde ele trabalhava. Ou onde ele vivia.
O celular vibrava silenciosamente. Mensagens ignoradas. Liga??es perdidas. A vida dele parecia estar sempre atrasada em rela??o à do resto do mundo. Ele engoliu o último gole de café e saiu de casa com a mochila pendurada num ombro só, tentando mais uma vez fingir que a cidade n?o o esmagava.
Como tantos outros jovens em uma cidade marcada por sonhos esquecidos, ele ainda tentava cultivar a fé de que, um dia, as coisas poderiam mudar para melhor — mesmo que seus próprios sonhos estivessem trancados numa gaveta velha e gasta, escondida no fundo do guarda-roupa.
O mundo sempre fora um lugar severo, mas para jovens adultos que cresceram em orfanatos e jamais conheceram o calor de uma família, cada escolha parecia pesar cem vezes mais. Na noite anterior, ele havia se permitido um pequeno conforto: dormir um pouco mais tarde para rever seu filme favorito. Uma decis?o simples, quase inocente — mas que, naquela mesma manh?, cobraria seu pre?o. Cansado e atrasado, Duke perdeu o único ?nibus que o levava ao seu trabalho desgastante — e ele só passava de hora em hora.
Enquanto lamentava o atraso inevitável, Duke viu um rosto familiar se aproximando pela cal?ada, como se o universo estivesse lhe oferecendo uma última chance de n?o desistir. Era Mikkel, um garoto do bairro, com seus 11 anos de idade e uma bicicleta surrada que resistia ao tempo. Ele pedalava rumo à escola com o olhar despreocupado de quem ainda n?o carregava o peso do mundo nas costas.
Foi ent?o que Duke teve uma ideia ousada: "alugar" a bicicleta de Mikkel, apenas por um momento, o suficiente para alcan?ar o trabalho a tempo. Mikkel topou de imediato — aqueles trocados fariam toda a diferen?a na sua crescente cole??o de cartas colecionáveis.
Sem perder tempo, Duke montou na bicicleta e seguiu pela avenida movimentada, pedalando com urgência e esperan?a, a caminho do seu tedioso emprego.
Ele avan?ava rapidamente entre carros, caminh?es, ?nibus e motocicletas, desviando com agilidade pelas frestas do transito, ciente de que qualquer deslize ou atraso poderia lhe custar muito mais do que um simples pux?o de orelha. Cada segundo contava.
Após alguns minutos, quando já se aproximava das ruas adjacentes ao seu destino, ouviu um estalo metálico seguido de um rangido familiar. Sentiu a pedalada falhar — a corrente havia se soltado. Praguejou baixinho e olhou para o relógio de pulso. Por sorte, sua pressa lhe rendera alguns minutos de vantagem. Respirou fundo e decidiu empurrar a bicicleta até a cal?ada mais próxima, parando diante de uma loja de penhores na esquina da avenida.
Com um olhar rápido, avaliou a situa??o. Consertar a corrente à m?o seria possível, mas levaria mais tempo do que podia desperdi?ar. Precisaria de uma ferramenta. E como uma ironia do destino, ali estava ele — diante de um lugar que talvez pudesse ter exatamente o que precisava.
— Com licen?a? Tem alguém aí? — perguntou, entrando devagar. A bancada da recep??o estava vazia, coberta de quinquilharias empoeiradas.
— Pode entrar, t? aqui nos fundos. Já vou lhe atender. — respondeu uma voz rouca, vinda de trás de uma cortina encardida ao fundo da loja.
Duke se aproximou.
— Na verdade, eu só queria saber se o senhor tem alguma ferramenta pra consertar uma bicicleta.
A cortina se mexeu, revelando um homem de meia idade, com um bigode espesso e óculos remendados com fita adesiva. Ele lan?ou um olhar desconfiado, analisando Duke da cabe?a aos pés.
— é aquela bicicleta encostada aí fora? — perguntou, franzindo a testa.
— é, aquela relíquia mesmo. — Duke respondeu com um toque de sarcasmo. Era sua forma de lidar com situa??es tensas.
— E você tem certeza que ela é sua?
Duke arqueou uma sobrancelha.
— Como assim? Tá insinuando que eu roubei?
— Escuta, n?o é nada pessoal. Você tem ideia da quantidade de gente que aparece aqui tentando vender coisa roubada?
— Mas eu nem vim vender nada. Só quero consertar a bicicleta e ir pro meu trabalho. Se o problema for dinheiro, eu tenho uns trocados aqui.
— N?o, n?o precisa. Posso dar uma olhada nela pra você — respondeu o homem, agora com um tom mais ameno, embora ainda cauteloso.
Juntos, saíram da loja. O homem carregava uma maleta de ferramentas t?o velha quanto ele, com dobradi?as rangendo e marcas do tempo por toda parte.
— Olha, isso aqui n?o é uma motocicleta, você sabe disso, né? Em qual velocidade você vinha antes disso acontecer? — O homem se espantou ao ver o desgaste absurdo na corrente da bicicleta.
— Ela já era velha assim antes de eu chegar aqui, juro. — respondeu Duke, com um meio sorriso.
— Eu também já era velho antes de você chegar aqui. é por isso que sei que foi você quem causou isso aí. Essa pressa toda podia ter te matado. O que n?o falta nessa cidade é motorista irresponsável... e você com certeza seria só mais um se tivesse um veículo de verdade.
— Se eu te oferecer os trocados, você me poupa do serm?o?
— Serm?o é especialidade da casa. E, pro seu azar, é tudo cortesia.
O homem resmungou algo incompreensível enquanto examinava a bicicleta, fazendo alguns testes rápidos no pedal e na corrente.
— Acho que isso resolve por agora... mas preciso de graxa ou óleo de máquina. Se você cair por aí, n?o quero carregar o peso de um servi?o malfeito. — Ele se levantou lentamente, esticando as costas com um estalo discreto, e limpou as m?os num paninho de bolso. — Vai lá dentro pegar pra mim? Deve estar em cima do balc?o.
Duke assentiu com pressa e entrou de novo na loja, indo direto até o balc?o entulhado.
— Como é que alguém acha alguma coisa no meio dessa tralha toda?
— Eu ouvi isso! — gritou o velho do lado de fora.
— é sério, eu n?o t? conseguindo encontrar!
Enquanto revirava os objetos enferrujados e empoeirados, Duke foi interrompido por um som estridente vindo da rua: uma buzina de ?nibus. Em seguida, gritos.
Ele se virou num salto, instinto puro, e correu para fora da loja.
O som de pneus guinchando cortava o ar como um aviso desesperado do próprio asfalto. Um ?nibus desgovernado havia subido o meio-fio e vinha em disparada, monstruoso, com as luzes dianteiras tremeluzindo como olhos possuídos. O motorista, visivelmente em panico, girava o volante sem controle, enquanto o ?nibus serpenteava, oscilando como um animal ferido prestes a cair.
No meio da cal?ada, paralisado, estava o velho homem. Seus olhos estavam arregalados de puro terror, as pupilas fixas no colosso de a?o que se aproximava. Sua boca tremia, aberta num grito que nunca chegou a sair.
— N?o... Por favor... a minha loja, n?o... — ele murmurava, atordoado. As pernas pareciam coladas ao ch?o.
— SAI DAí, VELHO! — bradou Duke, a voz rasgando o caos, mas já sabia que ele n?o sairia por conta própria.
Sem pensar, movido apenas pelo instinto de proteger, Duke disparou. Cada passo parecia um desafio contra o tempo. O rugido do motor era ensurdecedor, o cheiro de borracha queimada invadia o ar. O cora??o batia como um tambor de guerra.
Ele se lan?ou contra o homem. Por um segundo, tudo pareceu desacelerar. Agarrando-o pela camisa, empurrou com todas as for?as que ainda tinha com brutalidade para longe da rota do ?nibus.
E conseguiu.
Mas n?o a tempo de se salvar.
O impacto foi imediato — brutal, devastador.
Tudo se tornou luz, metal e vidro. Um estrondo seco, como um trov?o engolido pelo concreto, marcou o fim do momento. O mundo de Duke se apagou num clar?o de dor e silêncio.
Luz branca.
Muito branca.
Fina como navalha.
Ele piscou devagar. Uma vez. Duas.
As pálpebras pesavam toneladas.
O ar cheirava a plástico, álcool e silêncio.
Estaria vivo?
Tentou virar o pesco?o. Um zumbido tomou conta do cranio.
Tentou mexer as pernas.
Nada.
Tentou de novo.
Nada.
O cora??o acelerou. O monitor ao lado respondeu com um bip mais rápido, agudo, desesperado.
— Calma... calma... você está bem — disse uma voz masculina, abafada por uma máscara cirúrgica.
Mentira.
Estava longe de estar bem.
N?o sabia há quanto tempo estava ali. N?o sabia onde era “ali”.
Mas sabia uma coisa.
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Algo dentro dele havia morrido junto com o som dos vidros quebrando.
E agora, o que restava, tinha que aprender a existir de novo.
Ele tentou abrir a boca, mas foi como se os músculos tivessem se esquecido de como obedecer. Sua face estava rígida, dormente, como se pertencesse a outra pessoa. Cada tentativa de se mover resultava em um esfor?o inútil — como se estivesse soterrado sob o próprio corpo.
Os sentidos voltavam lentamente, enevoados, indistintos. O som ao redor era abafado, distante, como se estivesse debaixo d’água. O cheiro estéril no ar denunciava algo familiar. Hospital. Talvez.
A consciência se arrastava de volta, como névoa se dissipando ao amanhecer. Ele n?o sabia quanto tempo havia se passado — minutos? Dias? Anos? — mas sentia, no fundo de si, que algo tinha mudado de forma definitiva.
Pensamentos embaralhados zuniam como um enxame em sua mente fatigada.
O que aconteceu comigo?
Onde estou?
Isso é um hospital?
Mas... quem está pagando por tudo isso?
Algumas horas se passaram desde que Duke recobrou a consciência. O tempo parecia escorrer lentamente pelas paredes brancas do quarto, quebrado apenas pelo sutil bip dos aparelhos ao seu redor.
Ent?o, a porta se abriu com um rangido discreto, mas que pareceu estrondoso naquele silêncio.
Uma figura entrou.
Era um homem alto, de aparência impecável — terno alinhado, sapatos reluzentes, express?o controlada. N?o trazia o semblante cansado de médicos ou a ternura de alguém da família. Tinha o ar de alguém que estava ali por obriga??o... ou por interesse. Parecia mais um executivo ou alguém acostumado a tomar decis?es em salas fechadas e frias.
Ficou parado no canto do quarto, imóvel, como se observar fosse sua única tarefa.
O médico que o acompanhava falava em tom baixo, murmurando algo entre termos técnicos e números, folheando papéis presos a uma prancheta. Mas o homem n?o olhava para ele. Seus olhos estavam fixos em Duke — n?o com preocupa??o, mas com uma calma quase perturbadora, como se estivesse avaliando algo além do visível.
O médico saiu da sala discretamente, deixando para trás o som da porta se fechando com um leve clique. O homem permaneceu. Silencioso. Observador. Ainda imóvel no canto do quarto como uma sombra de inten??es ocultas.
Minutos se passaram em silêncio absoluto, exceto pelo zumbido distante dos aparelhos e o som das respira??es pesadas de Duke.
Finalmente, o homem pareceu dar-se por satisfeito. Caminhou até a porta com passos firmes, colocando a m?o na ma?aneta com a inten??o de partir.
— E-Espera...
A palavra, fraca e arranhada, quase se perdeu no ar.
O homem parou. Por um instante, permaneceu de costas, imóvel. Depois, girou lentamente o corpo e voltou o olhar para a cama.
Aproximou-se em silêncio, cada passo t?o contido que mal produzia som. Quando parou ao lado de Duke, ficou ali — estático, a express?o no rosto ainda impenetrável.
Duke inspirava com esfor?o, tentando reunir f?lego como se cada palavra exigisse o dobro da energia que possuía. Mesmo assim, seus olhos buscavam respostas.
O homem esperou. N?o perguntou nada. Apenas permaneceu ali, como alguém que já sabia o que viria.
— Q-Quem... é... v-você?
A voz de Duke saiu fraca, como o sussurro de uma vela prestes a se apagar. Mas era o bastante.
O homem n?o respondeu de imediato. Em vez disso, retirou com calma um cart?o de visitas do bolso interno do terno e o segurou diante dos olhos de Duke.
Mitch Quinn
CEO e Membro Fundador da Angel Grove Robotics Association
Duke leu com dificuldade, absorvendo as palavras como se elas carregassem peso demais.
— Suponho que sua mente esteja tomada por perguntas e incertezas — disse o homem, guardando o cart?o com a mesma lentid?o calculada. — é natural. Estou aqui para respondê-las. Mas apenas uma vez. Depois disso... n?o haverá mais encontros entre nós.
Ele puxou uma cadeira ao lado da maca, sentou-se com postura impecável, cruzou as pernas e se inclinou levemente para frente. O tom, embora calmo, era frio como mármore.
— Meu nome, como você viu, é Mitch Quinn. Sou fundador da Angel Grove Robotics Association. Talvez já tenha ouvido falar. Somos especializados em tecnologia avan?ada e robótica.
Duke franziu o cenho, como quem escava o fundo da memória em busca de algo perdido.
Mitch continuou, a voz agora um pouco mais contida, como se estivesse se preparando para soltar algo que guardou por anos.
— Muitos anos atrás, envolvi-me com uma de minhas secretárias. O nome dela era Martha Jones. Tivemos um filho.
Sua express?o endureceu. Havia um toque de nervosismo contido nos olhos, como alguém prestes a apertar um bot?o que causaria um estrago sem precedentes.
Os monitores cardíacos ao lado de Duke come?aram a piscar em um ritmo mais rápido.
— Martha faleceu alguns meses depois do parto. Eu era jovem, ambicioso... estava no auge do meu crescimento profissional. E, francamente, n?o estava preparado para ser pai. N?o quis. N?o pude.
Duke piscou com for?a, os olhos brilhando com lágrimas mal contidas.
Mitch abaixou o tom da voz, sem deixar que a frieza cedesse espa?o à culpa.
— Você já sabe a verdade, rapaz. Fui eu quem bancou cada procedimento, cada centavo do seu tratamento nesses quatro anos. Foi a minha forma de me redimir com sua m?e. Mas n?o se engane...
Ele encarou Duke com um olhar que n?o buscava perd?o, apenas conclus?o.
— Eu nunca fui — e nunca seria — o pai que você desejou ter.
Mitch levou a m?o ao bolso interno do terno mais uma vez — o mesmo gesto ensaiado de antes. Mas dessa vez, retirou um cheque.
— Duzentos mil — disse, estendendo o papel com naturalidade. — Isso deve ser suficiente para adaptar seu apartamento às suas novas necessidades.
Duke apenas o observava, mudo, os olhos vermelhos, a respira??o descompassada.
— O médico me informou que você perdeu o movimento das pernas — continuou Mitch, como quem discute uma falha mecanica. — Mas isso n?o é o fim. Na minha empresa, temos voluntários na mesma condi??o. Eles usam exoesqueletos de última gera??o. Andam como se nunca tivessem perdido nada.
Ele colocou o cheque sobre o peito de Duke, com precis?o quase simbólica.
— Se algum dia estiver interessado... pode entrar na lista de espera.
Sem aguardar resposta, Mitch se levantou, ajeitou as mangas do terno e caminhou até a porta. Saiu sem olhar para trás.
Sozinho, Duke permaneceu imóvel. A respira??o pesada agora se transformava em solu?os contidos. Um choro silencioso escapava de sua garganta, quebrado, rouco.
As lágrimas escorriam pelo rosto, molhando o travesseiro enquanto ele cerrava os punhos em torno do cheque com uma for?a desproporcional — como se aquilo, aquele peda?o de papel, pudesse absorver toda a dor, a raiva e a solid?o acumuladas ao longo dos anos.
Mas n?o absorvia.
Só cortava mais fundo.
? ? ?
A chave girou na fechadura com um clique seco. A porta do pequeno apartamento de Duke se abriu devagar, rangendo como se protestasse contra a ausência de anos.
Ele estava diferente. N?o só por estar sentado na cadeira de rodas, mas porque havia um silêncio novo dentro dele. Um silêncio que nenhuma parede rachada ou móvel empoeirado conseguia preencher.
O ar cheirava a abandono e lembran?as esquecidas.
Com esfor?o e precis?o, Duke atravessou a soleira pela primeira vez desde o acidente. As rodas da cadeira rangeram levemente ao tocar o piso antigo. Seus olhos percorreram cada canto do apartamento em busca de algo familiar — e encontraram apenas um espa?o empoeirado, congelado no tempo, como se o mundo ali dentro tivesse parado junto com ele.
— Ent?o o maldito magnata também pagou meus aluguéis e contas de luz, né? Quanta generosidade, papai — murmurou, o sarcasmo intacto, ainda que a voz trouxesse um leve peso de ironia amarga.
Ficou ali por alguns segundos, ainda com a porta aberta, meio dentro e meio fora. Foi quando ouviu passos apressados vindos do fundo do corredor, seguidos por uma respira??o ofegante. Do topo da escada surgiu o velho da loja de penhores.
— Duke! — exclamou, com alívio sincero estampado no rosto.
Ele se aproximou com pressa, mas parou a poucos passos da cadeira, respeitoso.
— Eu nunca tive a chance de te agradecer por ter salvo minha vida aquele dia. Quando soube que você tinha acordado do coma… vim direto te procurar. Eu… sinto muito pelas suas pernas.
— Tudo bem, n?o esquenta — disse Duke, tentando aliviar o constrangimento. — Fico feliz que esteja vivo. Qual é mesmo o seu nome?
— Rick. Rick Méndez.
— Ent?o, Rick... quer entrar? Só posso oferecer o clássico copo de água da pia.
Rick sorriu, mas balan?ou a cabe?a.
— N?o precisa. Eu só vim agradecer. Minha loja... já era. Mas gra?as a você, eu pude ver o nascimento do meu neto. Isso n?o tem pre?o. Serei eternamente grato.
Duke o observou em silêncio por um instante, depois suspirou.
— Sobre a sua loja… quero te ajudar a reerguê-la.
— N?o, n?o, eu jamais poderia aceitar — respondeu Rick, surpreso. — Aquilo foi uma tragédia, n?o foi culpa sua.
— Eu fa?o quest?o — retrucou Duke, com firmeza. — Essas pernas me renderam um bom dinheiro. Tenho o suficiente pra me manter por uns bons anos. Você, por outro lado, precisa reconstruir sua vida… e guardar uns trocados pro futuro do seu neto, talvez pra faculdade dele.
Duke abriu sua bolsa e puxou dois ma?os de notas de cem, cuidadosamente embrulhados. Estendeu-os para Rick, que hesitou antes de pegar.
— Cuidado com isso na rua — avisou Duke, meio sério, meio brincando.
— Eu… muito obrigado. Você é um homem incrível, Duke. De verdade. Obrigado mesmo.
Duke apenas sorriu de leve, e acenou com a cabe?a, discreto.
Rick se afastou, segurando o dinheiro contra o peito com gratid?o contida. Duke, ent?o, entrou por completo no apartamento e fechou a porta atrás de si.
O cheiro do lugar — madeira velha, poeira e um leve tra?o de café envelhecido — invadiu suas narinas. Cada canto, cada móvel, carregava uma lembran?a. Boas e ruins. Ele deslizou com a cadeira até a janela que dava para a rua. O céu estava tingido de laranja e dourado.
Ali ficou, em silêncio, apenas tentando apreciar o simples fato de ainda estar vivo.