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Capítulo I: Um demônio pessoal

  O diagnóstico de Burnout veio como uma confirma??o sombria do seu esgotamento emocional e mental. O afastamento do trabalho, embora for?ado, ofereceu-lhe a chance de escapar daquele escritório monocromático que parecia sugar sua alma como um vampiro corporativo. Mikaela trabalhava como analista de sinistros na Seguradora Central, uma empresa de médio porte com um escritório impessoal e cheio de baias.

  Em uma viagem impulsiva para Niatopolis, a pequena loira de cabelos indomáveis encontrou refúgio em um sebo empoeirado. O cheiro característico de papel velho pairava no ar, um aroma que sempre a confortou mais do que qualquer terapia. Seus dedos finos percorriam as lombadas quando um volume em couro vermelho desbotado chamou sua aten??o: o grimório dos 72 daemons! Uma onda de nostalgia e excita??o a percorreu. Uma pequena gargalhada involuntária escapou de seus lábios carnudos.

  A dona do sebo, uma senhora de express?o carrancuda, lan?ou-lhe um olhar severo e pigarrou ruidosamente. Instintivamente, Mikaela levou a m?o à boca, tentando conter a súbita alegria da redescoberta. Ao se aproximar do balc?o para pagar, deu um "boa tarde" hesitante. A mulher n?o respondeu, apenas murmurou um seco: — 13,99.

  Mikaela avaliou o livro. Estava bem usado, as páginas amareladas e a encaderna??o gasta. — Poderia fazer por 5 reais? Por gentileza. Ele n?o parece estar em muito bom estado… nem de segunda m?o, eu diria… – tentou barganhar, com um sorriso esperan?oso.

  A senhora franziu a testa, irredutível. — 13,99 reais. é o pre?o!

  — Que tal 10? – Mikaela tentou novamente, já se preparando para ceder.

  Para sua surpresa, a mulher cruzou os bra?os e disse, com um tom ainda mais azedo: — Agora s?o 14,99 para você!

  Mikaela suspirou, resignada, e pagou o valor exigido, saindo do sebo com o grimório firmemente abra?ado, sentindo que, apesar da pequena "derrota" na negocia??o, tinha feito um achado incrível.

  Ao chegar em casa ela tratou de se aconchegar em sua cama e devorou o conteúdo daquele livro proibido, lendo sobre os setenta e dois daemons com um ceticismo persistente, mas com uma ponta de esperan?a obscura, imaginando se algum deles poderia ajudá-la a reacender as luzes do teatro Hall.

  Em um momento de imprudência e desafio ao seu próprio racionalismo, decidiu realizar uma invoca??o a um dem?nio o qual nem conseguia gravar seu nome, mas era indicado para amadores em Goetia.

  Seguindo as instru??es do ritual descrito no livro. Preparou um círculo hesitante de sal grosso no ch?o da sala, sentindo-se um pouco ridícula enquanto o fazia, acendeu velas vermelhas e pretas, e recitou as palavras em latim macarr?nico encontradas no livro.

  “Ego Mikaela Hall te accerso Bartholomaeum theatri Daemon.Accipe sanguinem meum et animam meam!”

  Provavelmente pronunciando tudo errado. Naquela noite de lua vermelha, enquanto recitava as palavras, uma energia estranha pareceu preencher o ambiente. Ao terminar o ritual, um brilho efêmero surgiu no centro do círculo de sal, como se um portal tivesse sido brevemente aberto antes de se dissipar no ar. O silêncio opressor que se seguiu pareceu zombar de sua tentativa, mas uma sutil mudan?a na atmosfera a deixou inquieta.

  _ Mikaela parece que você falhou… mais uma vez! Bom, melhor ir dormir, amanh? volto a trabalhar… para minha alegria.

  Naquela noite, um pesadelo visceral a assaltou. Uma fera de ébano a perseguia em um labirinto claustrofóbico de corredores escuros, onde as paredes pareciam se mover e o ar estava denso e carregado de um cheiro ran?oso, como carne em decomposi??o misturada com enxofre. Dela, via apenas a silhueta imponente, os chifres longos e retorcidos lembrando galhos de cervo, rasgando a escurid?o e os olhos amarelos vibrantes, como brasas incandescentes, fixos nela com uma fome predatória que a paralisava de terror. O terror a despertou em um sobressalto, o corpo encharcado de suor frio, o cora??o martelando contra as costelas como um pássaro preso em uma gaiola.

  Na manh? seguinte, a perspectiva da rotina tediosa do seu trabalho era quase um consolo. Mas ao chegar ao seu departamento, uma estranha quietude a recebeu. Mensagens piscavam em seu computador: todos os seus colegas haviam ligado, vítimas de uma misteriosa e repentina onda de gripe, deixando Mikaela sozinha em meio às baias de cor cinza-pálido, onde o silêncio era t?o denso que ela podia ouvir o zumbido distante das lampadas fluorescentes. A manh? se arrastou em um silêncio opressor, quebrado apenas pelo clique ocasional do seu próprio teclado enquanto ela tentava, sem muito sucesso, se concentrar em planilhas entediantes.

  Perto do apagar das luzes, quando o relógio digital na parede marcava cinco minutos para o fim do expediente, que era as 18 horas, uma figura alta e imponente surgiu no v?o da porta da Asseguradora Central, como se tivesse materializado do nada. Vestido da cabe?a aos pés em um terno de um vermelho vibrante que gritava em contraste com a paleta morta do escritório, o homem parecia deslocado no espa?o e tempo, como uma pintura renascentista em uma galeria de arte moderna. As ombreiras de seu paletó eram exageradas, quase caricatas, dando-lhe uma silhueta fina, alongada e teatral. Sua presen?a era uma anomalia naquele ambiente sem vida, onde até as flores eram de plástico.

  O homem era no mínimo excêntrico, com uma palidez quase translúcida, sua boca fina era quase roxa e usava óculos de aro fino com lentes vermelhas de meia lua que pareciam absorver a luz do escritório, ocultando completamente o que havia por trás, mas Mikaela sentia o peso de um olhar intenso por trás delas, como se ele pudesse ver através de sua alma. Seus cabelos eram negros como a noite, e brilhoso, devido ao uso de algum produto para manter os cabelos penteados para trás, no entanto alguns fios teimavam, em cair sobre seu rosto quase androgeno. Os dentes eram estranhamente pontiagudos, Mikaela só notou quando ele abriu um sorriso largo de entusiasmo para ela. Seu nariz, levemente adunco, terminava em uma ponta fina quase convexo, com um queixo anguloso, eram tra?os “afinados”. Ele se apoiava em uma bengala elegante, cuja extremidade era adornada por uma grande pedra oval vermelha que parecia ter luz própria. A loira podia jurar ter visto a pedra brilhar algumas vezes.

  As luzes fluorescentes do escritório piscaram brevemente, como se tivessem levado um susto ao reconhecer sua natureza, quando ele cruzou a soleira da porta, seu olhar varrendo a sala vazia antes de se fixar em Mikaela.

  — Ah, finalmente! Bartolomeu, ao seu dispor. Prazer em conhecê-la, Senhorita Mikaela Hall! – disse ele, sua voz aveludada com um toque de escárnio divertido, carregada de uma formalidade antiquada que soava deliciosamente deslocada no ambiente moderno e impessoal do escritório. Após se inclinar ligeiramente para se apresentar, Bartolomeu se sentou,

  Deixando Mikaela com a mao estendida no ar.

  Ele cruzou as pernas com uma elegancia natural, ambas as m?os descansando sobre sua bengala. Ele observou Mikaela com um sorriso enigmático.

  — Olá… senhor Bartolomeu. Em que posso ajudá-lo? – respondeu Mikaela, ligeiramente desconcertada.

  "Como ele sabe meu nome?" pensou ela.

  — Seu crachá, minha cara… N?o precisei ouvir seus pensamentos para saber seu nome, caso esteja… confusa! – respondeu Bartolomeu com uma risada breve e carregada de ironia, como se achasse a pergunta dela levemente tola.

  — Ah, meu crachá sim, claro, que distra??o a minha…

  “Ué, eu falei isso em voz alta? Enfim... Poxa, esse cara foi aparecer justo agora. Faltam cinco minutos para eu finalmente escapar dessa pris?o tediosa."

  Pensou a mo?a loira, enquanto o observava.

  — Está com pressa senhorita Hall? N?o se preocupe com o horário. Afinal você n?o tem hobbies… Para onde você iria? Para outro inferno, talvez um pouco menos iluminado? - Questionou Bartolomeu com outra risada, como que quisesse provocá-la, enquanto observa o relógio marcando 18:01.

  — N?o, claro que n?o estou com pressa nenhuma senhor, imagine… – respondeu ela, for?ando um sorriso amarelo.

  “Eu pensei isso em voz alta de novo?”

  — N?o, querida, mas seus pensamentos s?o t?o… barulhentos. E, devo dizer, previsíveis! – respondeu Bartolomeu com uma naturalidade que a fez estremecer. — Que seriam impossíveis de ignorá-los.

  — Você pode ler meus pensamentos?

  Pergunta Mikaela.

  — N?o, é claro que n?o, n?o seja tolinha. Eu os ou?o!

  Bem, vamos aos negócios? Você me chamou, Senhorita Hall, e cá estou!

  — Eu… chamei o senhor? Eu n?o me lembro… – Mikaela franziu a testa, confusa.

  — Ah, mas você o fez. Uma busca por conhecimento, uma ponta de curiosidade obscura… aquele interessante livro vermelho que encontrou no sebo…

  Mikaela arregalou os olhos, surpresa. “Como ele sabe do grimório? Será que ele está me seguindo? Que tipo estranho… talvez um stalker?”

  — ‘Que tipo estranho… talvez um stalker?’ – repetiu Bartolomeu, com um tom de voz levemente ofendido. — Ora, Senhorita Mikaela Hall, esperava um pouco mais de originalidade de alguém que se aventura pelas sendas da Goetia. Mas n?o se preocupe, n?o estou aqui para julgar seus pensamentos… apenas para responder ao seu chamado. E, para ser perfeitamente claro, sou um dem?nio. No caso, seu dem?nio pessoal, para servi-la. Bartolomeu ao seu dispor, minha cara!

  Mikaela o encarou, tentando processar a informa??o.

  “Um dem?nio pessoal? Tá de brincadeira… Esse cara só pode ser maluco de pedra. Preciso sair daqui antes que ele fa?a alguma coisa…”

  — Ah… entendi… Senhor Bartolomeu… com todo o respeito… eu acho que houve algum engano… Eu realmente preciso ir agora…

  Antes que ela pudesse se levantar completamente, as luzes do escritório piscaram novamente, mergulhando a sala em sombras dan?antes. O sorriso divertido de Bartolomeu desapareceu instantaneamente, substituído por uma express?o fria e intensa. Seus olhos, por trás das lentes vermelhas, pareciam perfurar Mikaela. Ela tentou dar um passo em dire??o à porta do departamento, mas antes que ela pudesse sequer se aproximar, a porta se fechou com um estrondo alto, como se uma for?a invisível a tivesse trancado. O som ecoou pelo escritório silencioso, fazendo a mo?a se encolher de susto.

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  Um vento frio, como um sopro do próprio abismo, agitou os papéis que estavam dispostos a mesa, levantando um redemoinho de documentos que parecia um pequeno tornado de papel. Todos os telefones fixos come?aram a tocar simultaneamente, um coro estridente e dissonante que parecia zombar da quietude anterior. A cadeira de rodas do escritório se moveu e esbarrou nas pernas de Mikaela, fazendo ela cair sentada sobre ela. A cadeira a levou até seu posto, atrás da mesa do escritório.

  E ent?o, como se viesse do nada, uma música sinistra e teatral come?ou a tocar, com um órg?o dramático e risadas ecoando pelas baias.

  Em meio ao caos Bartolomeu, agora com um sorriso divertido dan?ando em seus lábios, estava sentado de pernas cruzadas, ambas as m?os elegantemente apoiadas em sua bengala a qual acaricia com satisfa??o maliciosa, como se algo interessante estivesse prestes a acontecer, ele se inclinou para frente. Ele a observava com um olhar que misturava escárnio e êxtase.

  O dem?nio bateu duas vezes sua bengala no ch?o, o barulho ecoou pelo escritório com um estrondo.

  A vis?o foi demais para a mente já fragilizada de Mikaela. A cabe?a latejou em protesto, seus olhos azuis se arregalaram em choque, e o escritório tedioso girou ao seu redor antes de mergulhá-la em uma escurid?o reconfortante, como se o universo tivesse finalmente decidido desligá-la.

  Mikaela só ouviu a gargalhada de Bartolomeu antes de apagar completamente.

  Ela acordou em sua cama, o edredom macio e familiar envolvendo-a em um abra?o reconfortante.

  — Socorro!!

  Gritou ela, enquanto se sentava na cama. Seu cora??o estava acelerado e uma roupa estava suada.

  — Foi só um pesadelo!, pensou com um suspiro de alívio, embora uma ponta de dúvida ainda pairasse no ar.

  — Eu tenho que parar de comer comida pesada à noite…

  Mikaela cal?ou suas pantufas de pompons rosas, ela notou que ainda estava usando as roupas do trabalho do dia anterior e desceu as escadas até a cozinha, na parte inferior da casa, onde a cafeteira geralmente a esperava com um aroma acolhedor.

  Um aroma delicioso e inconfundível de café invadiu suas narinas, mas desta vez havia algo mais, um toque sutil de especiarias. Na cozinha, encostado no balc?o branco, Bartolomeu mexia uma caneca que inexplicavelmente ostentava a inscri??o “Senhorita Mikaela Hall” em letras douradas, como se fosse a coisa mais natural do mundo. Ele parecia perfeitamente à vontade, como se sempre tivesse pertencido ali, talvez até dando sugest?es de decora??o.

  — Bom dia, Senhorita Hall. O café está quase pronto. Espero que aprecie com um toque de canela, assim como eu – disse ele, virando-se com um sorriso tranquilo e um brilho travesso nos olhos por trás das lentes vermelhas. Enquanto deixava a caneca no balc?o para a mo?a.

  Mikaela finalmente quebrou o silêncio, a voz carregada de incredulidade:

  — Você de novo? Na minha casa e com o meu roup?o rosa? Eu ainda estou sonhando?

  Mukaela olhou a sua volta, uma tentativa de verificar se estava na realidade.

  Bartolomeu pareceu n?o ouvir a pergunta dela, ou escolheu ignorá-la. Com um suspiro de satisfa??o, ele levou a xícara elegantemente decorada aos lábios, tomando um gole lento e apreciativo de café com canela. Ele segurava a xícara com delicadeza, o dedo mindinho levemente erguido, e o pires de porcelana descansava na palma da outra m?o. Após um momento de contempla??o do aroma, ele finalmente abaixou a xícara, seus olhos vermelhos encontrando os de Mikaela por cima da borda.

  — Suponho que esteja se perguntando sobre as circunstancias incomuns de nossa… reuni?o matinal – come?ou Bartolomeu, um sorriso tranquilo dan?ando em seus lábios. Enquanto se despia do roup?o rosa e o deixava suspenso apoiado em uma cadeira.

  Mikaela lembrou de uma passagem do grimório em subito.

  Ela lembrou de um trecho meio apagado do grimório que dizia: ‘O dem?nio aparecerá onde houver café forte e alma quebrada’. Ela achou que fosse uma metáfora. Agora n?o tinha tanta certeza.

  — Bem, Senhorita Hall, — come?ou Bartolomeu, ajeitando as dobras em seu terno vermelho como se estivesse se preparando para uma reuni?o importante. — Já que fui... chamado, nada mais justo do que formalizar nosso encontro. — Com um floreio quase mágico, Bartolomeu deslizou um cart?o vermelho-sangue sobre a mesa, em dire??o a Mikaela. A superfície era fria e lisa, e em letras de um preto profundo estava escrito: “Seu pacto de cada dia é nossa alegria. Bartolomeu Daemon.” Abaixo, um símbolo intrincado e sinistro completava a mensagem. Mikaela pegou o cart?o, sentindo um arrepio percorrer sua espinha ao notar que n?o havia nenhuma informa??o de contato, nem telefone, nem e-mail.

  — Estranho... Sem contato? Sem e-mail ou número de telefone? Quem faz um cart?o sem isso? pensou em voz alta ela, examinando o cart?o com crescente confus?o.

  Bartolomeu pareceu divertir-se com o escrutínio silencioso, tomando seu próprio café com pequenos goles elegantes. Ele terminou seu café com um suspiro satisfeito e colocou a caneca vazia sobre o balc?o com um clique suave. Endireitou a postura e apoiou as m?os em sua bengala, a pedra vermelha na ponta parecendo brilhar suavemente à luz da manh?, como se guardasse um segredo incandescente.

  — Senhorita Hall, você n?o deve saber, mas os dem?nios n?o precisam desses meios deselegantes e primitivos para se comunicarem com seus… contratantes! — come?ou Bartolomeu, ajeitando imaginárias dobras em seu terno vermelho como se estivesse se preparando para uma reuni?o importante.

  “Eu pensei isso em voz alta?” Pensou Mikaela.

  — Sim, desta vez sim senhorita! Bom, como um homem de negócios... ou quase isso... do meu ramo, prezo pela clareza e acordos bem definidos. Portanto, para evitarmos quaisquer mal-entendidos futuros, permitam-me delinear alguns dos... digamos "termos e condi??es" do nosso pequeno empreendimento no que diz respeito sobre seus desejos.

  Mikaela ouvia atentamente enquanto tomava seu café com canela em sua caneca nova e extravagante.

  — Primeiramente, no que tange aos limites dos meus… 'poderes'. Infelizmente, apesar da minha vasta experiência em assuntos além do véu, ressuscitar os mortos está um pouco além do meu escopo atual de servi?os.

  Entendo que a senhora possa ter... la?os familiares... que gostaria de reviver, mas acredite, o processo é terrível, francamente, raramente produz algum resultado minimamente satisfatório, a vis?o n?o é nada agradável, acredite em mim, você n?o vai querer ver isso.

  Em segundo lugar, manipular os afetos humanos também é uma área... delicada. Fazer alguém se apaixonar... mesmo por um certo Eduardo, se me permite a indiscri??o... é algo que prefiro evitar.

  Os resultados tendem a ser... instáveis e, novamente, catastróficos para todas as partes envolvidas. N?o queremos um louco obcecado, ou um feminicida, n?o é mesmo?

  — E em terceiro lugar, mas n?o menos importante, eu n?o posso fazer você voltar no tempo e mudar o futuro. Pense nisso como uma grande piada sem gra?a do Destino. A qual eu n?o tenho permiss?o para estragar, infelizmente! Afinal eu adoraria ver a cara daquele desgra?ado, se eu conseguisse fazer isso. Mas n?o vem ao caso…

  Uma sobrancelha loira e arqueada se ergueu no rosto sardento de Mikaela, conferindo-lhe uma express?o cética. — Ent?o... quer dizer que eu tenho direito a três desejos, tipo um gênio da lampada?

  Bartolomeu paralisou, a m?o a meio caminho de ajeitar a gola de seu terno vermelho, como se tivesse sido atingido por um raio de indigna??o. Seus olhos por trás das lentes vermelhas brilharam com algo que lembrava genuína ofensa.

  — Me desculpe, um gênio da lampada?, — repetiu ele, a voz agora carregada de um tom de escárnio gelado, como se ela tivesse acabado de sugerir que ele vendia seguros porta a porta.

  — Minha querida Senhorita Mikaela Hall, comparar-me a essas entidades inferiores, repugnantes e deploráveis é um insulto que dificilmente deixaria passar impune se n?o estivéssemos, como já mencionei, em um acordo de negócios... ainda n?o formalizado.

  A loira engoliu em seco, ao ver a aura sinistra envolta de Bartolomeu.

  — N?o, n?o s?o apenas três desejos, longe disso! Pense em muito, muito mais. E, para que fique claro, o número exato de desejos varia de acordo com o poder inerente de sua alma. A cada desejo realizado, uma parte de sua alma será… selada nesta pedra vermelha aqui.

  — E depois? Você vai tomar minha alma para sempre? — Mikaela perguntou, a voz agora carregada de uma apreens?o genuína, apesar de sua descren?a inicial, como se finalmente percebesse que havia entrado em um negócio muito arriscado.

  Bartolomeu inclinou a cabe?a para o lado, um sorriso enigmático dan?ando em seus lábios roxos. — Para sempre é muito tempo, n?o acha, querida? — Ele fez uma pausa, o brilho em seus olhos vermelhos intenso, como se estivesse ponderando as infinitas possibilidades. — Talvez… Provavelmente!

  Mikaela hesitou, seus olhos fixos nos de Bartolomeu, como um rato hipnotizado por uma cobra. — Perder minha alma… — O pensamento era abstrato, quase irreal, mas a sensa??o de um frio percorrendo sua espinha era inegável. — Acho que é normal e razoável ter medo disso, n?o é? — ela murmurou, mais para si do que para ele.

  Bartolomeu sorriu, um brilho predador dan?ando em seus olhos vermelhos. — Perfeitamente normal, Senhorita Hall. Mas vamos ser sinceros, o que exatamente a senhora tem a perder? Uma existência… bem, digamos, aquém do ideal? Uma rotina monótona em um escritório sem cor, assombrada por lembran?as de sonhos desfeitos? O medo da perda só é poderoso quando há algo realmente valioso a ser perdido. E, se me permite a observa??o, a senhora tem vivido em um limbo cinzento há algum tempo.

  Bartolomeu ent?o apontou elegantemente com a ponta de sua bengala para um canto da cozinha, onde uma pilha de boletos amassados repousava sobre a bancada.

  Um holofote focar brevemente a pilha de boletos. —

  — Vejo ali alguns… lembretes financeiros. Já tentou pedir ajuda ao… 'cara lá de cima' novamente? Ele parece ter se mostrado… indisponível antes, mesmo quando a senhorita perdia noites de sono em ora??o pela vida de sua m?e, n?o é mesmo? Agora, cara Senhorita Hall, está diante de uma oportunidade única. Pense no Teatro Hall… imagine só, as luzes brilhando novamente…

  Ele se inclinou ligeiramente para frente, sua voz agora um sussurro persuasivo, como a promessa de um segredo proibido.

  — Pense nisso como um investimento a longo prazo. Os desejos n?o s?o ilimitados, mas o potencial… ah, o potencial depende de suas escolhas. E cada escolha, naturalmente, terá suas consequências. Ent?o escolha seus desejos sabiamente. Eu poderei auxiliá-la nisto também. N?o se preocupe minha querida, você estará em excelentes garras… m?os!

  Mikaela sentiu uma ponta de excita??o tomar conta de sua apreens?o, como uma flor brotando em meio ao gelo. Mudar sua vida completamente… a ideia era tentadora, perigosa, mas inegavelmente atraente. Ela olhou ao redor de sua cozinha modesta, para as lembran?as de uma vida sem grandes alegrias, e a dúvida come?ou a vacilar como uma chama na brisa.

  Bartolomeu percebeu sua hesita??o e sua voz adquiriu um tom mais urgente, divertido e levemente cruel, como um vendedor fechando um negócio.

  — Tic-tac, Senhorita Hall. O tempo voa, especialmente no nosso ramo. Dole uma, dole duas… Olhe pela janela, consegue ouvir seus sonhos se esvaindo? Adeus, Teatro Hall. Ouvi dizer que a demoli??o está prevista para semana que vem. Que desperdício, n?o acha? Acredito que se pai ainda estivesse entre nós, certamente cometeria o mesmo fatídico erro.

  Naquele instante, a raz?o pareceu abandonar Mikaela, como um navio à deriva em uma tempestade. Talvez ela estivesse enlouquecendo, talvez tudo fosse um sonho bizarro induzido pelo estresse do Burnout e pela priva??o de cafeína. Mas a imagem do Teatro Hall sendo reduzido a escombros a atingiu como um soco no est?mago, cortando qualquer lógica restante.

  — Que se dane!, pensou ela. — Eu n?o tenho nada a perder mesmo.

  Com uma resolu??o repentina, Mikaela estendeu a m?o, a palma ligeiramente úmida. Bartolomeu sorriu, um brilho de triunfo cintilando em seus olhos vermelhos, como se soubesse o resultado o tempo todo. Ele apertou sua m?o fria e hesitante com uma firmeza surpreendente. Em seguida, apareceu um contrato que flutuava no ar e com um floreio teatral, como um mágico revelando seu truque final, Bartolomeu pegou uma caneta clássica de seu bolso, a tinta escorrendo suavemente da ponta dourada.

  — Assim que eu gosto! — exclamou ele, deslizando um peda?o de papel impecavelmente branco sobre a mesa como se estivesse apresentando uma obra de arte.

  ...Com a m?o ainda tremendo ligeiramente, Mikaela assinou seu nome com a caneta oferecida.

  Bartolomeu sorriu, um brilho de triunfo cintilando em seus olhos vermelhos

  — E agora… toque final, minha querida, — murmurou ele com voz aveludada e um sorriso sedutor.

  Ele se inclinou sobre a mesa, seu rosto pálido próximo ao de Mikaela. Antes que ela pudesse reagir, ele segurou seu rosto com as m?os frias, seus dedos longos acariciando sua pele suavemente. E ent?o, seus lábios se encontraram em um beijo inesperado e intenso, carregado de uma energia estranha e avassaladora. Foi um beijo que pareceu selar n?o apenas um contrato, mas algo muito mais profundo e inexplicável.

  ...um beijo que pareceu selar n?o apenas um contrato, mas algo muito mais profundo e inexplicável. Quando ele se afastou, Mikaela ofegava levemente, como se tivesse bebido um gole de veneno doce demais para cuspir.

  O ato silencioso selou um acordo que mudaria sua vida para sempre… para melhor ou para pior? Apenas o tempo diria.

  No exato momento em que o último tra?o da assinatura foi completado, um suave som de sino ecoou pela cozinha — quase imperceptível, como se o próprio universo tivesse dado um aceno discreto à formaliza??o do pacto.

  Bartolomeu se desfez em fuma?a negra junto com a caneta e o contrato, como se jamais tivesse estado ali. Restou apenas um cart?o vermelho pousado em suas m?os, a textura fria contrastando com o calor morno da caneca de café.

  Uma risada baixa e maliciosa reverberou em algum lugar — ou apenas em sua mente.

  Sem entender completamente o que acabara de acontecer, mas com a certeza de que havia cruzado um limite invisível, Mikaela apertou o cart?o entre os dedos.

  A confus?o e uma ponta de apreens?o dan?avam em seus olhos — olhos que, até minutos atrás, pertenciam a alguém comum. Agora, pertenciam a alguém que havia assinado com o Diabo… e n?o estava totalmente arrependida.

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