A esperan?a tem essa capacidade, de enlouquecer se tentamos ignorá-la. N?o vou me arriscar.
Layla já tinha perdido a conta de quantos pequenos grupamentos de dem?nios combatera e de quantos ninhos e celas já havia estourado, que nem se importava mais de contar. Estava ficando automático isso. A única compensa??o para todo esse sofrimento era confirmar que, cada vez mais, a ca?ada sobre si se intensificava, sorriu tristemente, oculta sob uma grande folha de tracuá, escondendo-se de uma chuva fina e inc?moda.
Suspirou sentida, sentindo as gotas frias caindo erráticas no corpo, o cora??o batendo triste por ainda n?o conseguir qualquer sinal da presen?a dele. Suspirou mais forte, se for?ando a ignorar a dor teimosa que insistia em ficar rondando à sua volta.
A chuva engrossou de uma hora para outra, tornando a folha sem qualquer serventia, porque o vento fazia a chuva vir de todos os lados.
Layla a atirou para os lados, indiferente ao frio que a chuva trazia.
Mascarados nas batidas das grossas gotas de chuva só os percebeu no último momento, antes que sucumbisse ao terrível ataque.
Quando despertou viu a pedra negra e pesada depositada sobre o seu cora??o bem como as cordas que a imobilizavam. Testou se libertar, e viu que era impossível. No entanto, ao tentar se mexer, percebeu o quanto a haviam surrado enquanto estava desmaiada. Seu corpo doía em cada osso, em cada músculo, em cada nervo.
Depressa isolou sua mente, conseguindo com isso algum alívio, mesmo sabendo que seria por muito pouco tempo, porque esses dem?nios tinham o conhecimento para impedir que sua mente se protegesse. A pedra estava lá para isso, como um aviso, como uma garra fincada em seu cora??o.
Ent?o eles se aproximaram.
Eram quatro dem?nios que seriam os responsáveis pela tortura, enquanto um quinto, de jeito mais silencioso e medroso, se postou perto de sua cabe?a. Viu que esse último era o receptáculo. Seria ele que iria reter as energias de dor e medo que lhe seriam extraídas, e nesse dem?nio essas energias seriam guardadas e acumuladas, das quais os chefes do lugar iriam e servir e com as quais iriam se locupletar.
Layla n?o sabia mais por quanto tempo suportava aquela série de torturas, e o tempo parecia que se metamorfoseou em agonia, esticada, viscosa, pegajosa e malcheirosa. E suas esperan?as de que Gadhiel fosse aparecer lhe pareciam cada vez mais remotas, quase que definitivamente extintas. Na verdade, ficava se perguntando, nos momentos de lucides, se n?o fora inocente demais ao imaginar que ele viria em sua pose de herói resgatá-la, a menina frágil que necessitava tanto de um protetor.
Pensando assim, talvez tenha sido até mesmo por isso que n?o se assustou tanto quando viu um vulto passar tranquilo pela entrada daquela sala, o rosto virado para dentro, conferindo o que e quem estava lá. O que a chocou foi que ele simplesmente passou, como se já soubesse o que estava guardado ali e sendo usado para divers?o dos dem?nios, e isso tivesse pouca importancia para si.
Se n?o julgasse que seria amostra de fraqueza, choraria, de desamparo, de abandono e de saudade.
Ent?o se decidiu.
Com extremo cuidado libertou sua reserva de energia, mantendo-a oculta dos sentidos dos cinco dem?nios. Assim que conferiu que estava com um bom nível de restabelecimento, aproveitando que os outros quatro discutiam sobre quais técnicas usar nela, todos de costas, avaliando uma tábua com rabiscos, dominou de súbito o receptáculo, e de modo explosivo sugou toda a energia que ele tinha guardado, e se sentiu imensamente bem, porque ele n?o tinha só a energia que tirara dela.
No momento em que os outros perceberam a subida súbita da energia e se viraram, raivosos e irritados para ver o que tinha acontecido, deram com o reservatório caído morto no ch?o duro.
Com alguma facilidade Layla conseguiu, no tempo disponível, antes do ataque dos quatro, libertar totalmente sua mente do jugo mental e estourar as amarras da cabe?a, perna e bra?o direitos. Com um pouco de dificuldade conseguiu lan?ar para longe a pesada pedra negra de controle.
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Terminando de assimilar todo o poder que havia conseguido alterou a matéria das amarras do seu lado esquerdo e se libertou totalmente. Renovada, saltou da bancada de pedra e caiu cheia de poder à frente dos quatro, que recuaram um passo, avaliando o estado dela e as possibilidades que possuíam, acreditando que já a conheciam o suficiente e que sua energia n?o estava como antes.
Lentamente se moveram, fazendo um arco entre ela e a entrada da sala.
Com grande eficiência ela rapidamente deu cabo dos quatro e saiu rápido da sala, avaliando que lá n?o era um local ideal para se defender.
Depressa, se defendendo de alguns dem?nios que encontrava pelo caminho, conseguiu chegar no grande corredor que desejava, que terminava numa pequena sala, dentro da qual se postou.
E eles ent?o foram chegando e se ajuntando na boca oposta do corredor, avaliando o que ela pretendia.
Foi com preocupa??o que ela os viu esgar?arem sorrisos felizes.
Layla observou com cuidado a parede de dem?nios que se movia pelo corredor ao seu encontro, e inspirou demoradamente, segurando com mais firmeza suas armas e fazendo as neblinas que era se condensarem amea?adoras.
O corredor era baixo e estreito, e somente de dois em dois se formava a parede que avan?ava. Avaliou que, se matasse ao menos dez deles, criaria um obstáculo para os outros.
Foi ent?o que percebeu desanimada que, talvez por ter tomado a decis?o de transformar aquela sala em sua guarita, cometera um tremendo erro: estava presa. Tensa, avaliou que eles poderiam lan?ar m?o de um cem número de a??es para destruí-la, desde empurrar a parede de dem?nios mortos para dentro do quarto e soterrá-la nos cadáveres até, simplesmente, lan?ar gás ou o fogo para dentro, e mantê-la lá, até que consumisse sua energia.
Tocou a parede e balan?ou a cabe?a em aceita??o – já imaginara que as paredes estariam impedidas de serem transpostas ou derrubadas por artes demoníacas.
Resignada girou as espadas nas m?os e flexionou as farpas de sombras, disposta a vender caro a sua vida, sabendo que isso bem pouco iria representar para qualquer coisa, mesmo para as coisas ocultas.
Se adiantou rente à entrada e atacou o maior e mais forte deles, e após o outro, e o outro e o outro. Decidida, percebendo uma possibilidade de se safar dali, lentamente foi caminhando sobre os corpos moles dos que abatia, abrindo um buraco ao longo do corredor, disposta a sair da armadilha que construíra para si mesma.
Era como um ato mecanico: defender, estocar, subir e se equilibrar sobre o cadáver, defender, estocar...
Já avan?ara mais da metade do corredor quando viu que os dem?nios se afastaram depressa, deixando o corredor livre, e soube o porquê.
Na entrada do corredor estavam seis dem?nios, e soube, no ato, que eram dem?nios magos.
Depressa tomou as flechas e lan?ou seis delas em sequência. Sorriu ao ver que elas ficavam girando pregui?osas na frente deles, paradas, mantendo poucos centímetros de suas caras sérias.
Subitamente as setas se viraram para o seu lado, suas pontas tomando uma colora??o cinza meio brilhante. No ato soube que estavam envenenadas, um veneno que tinha o poder de imobilizar qualquer dem?nio que atingisse.
Com velocidade eles as dispararam contra ela.
Layla simplesmente se dobrou e apanhou do ch?o um grande dem?nio recém-abatido, segurando-o à frente de si como um escudo. Cinco das flechas cravaram-se nele, e no ato ele se enrijeceu. A sexta, que era a seta real que deveria matá-la, atravessou o corpo do dem?nio como se ele n?o estivesse lá. Mas Layla já havia previsto isso, e se mantinha dolorosamente de lado segurando aquele peso. Quando a seta passou onde ela deveria estar, deixou o corpo cair, se for?ando a dar um sorriso de escárnio para os inimigos.
Mas eles estavam sérios e concentrados, e n?o se importaram com isso.
Conformada, Layla se ligou com mais firmeza às suas armas, seu corpo se revolvendo violento nas névoas escuras de que era feita, farpas de escurid?o se projetando amea?adoras. Ainda tentou ver se conseguia atacá-los com alguma magia, mas desistiu, ao ver que eles estavam fortemente protegidos, uns pelos outros. Ficou chateada ao perceber que nem mesmo o ar ao longo do corredor e ao lado deles conseguia colocar aos seus servi?os.
Se preparava para avan?ar contra eles, que sabia era o que eles desejavam, quando dois deles simplesmente caíram.
Quando o espa?o se abriu Layla viu que nada havia que os pudesse ter atacado, ou atacado uma fila de dem?nios que jaziam no solo.
No momento em que todos se voltaram para dentro do grande sal?o para tentar entender a agress?o, Layla correu ao longo do corredor, matando com imenso prazer os outros quatro magos e outros dem?nios mais próximos, formando com seus corpos uma linha de defesa à sua frente.
Identificando a ela os dem?nios avan?aram, tomados de ódio, gritando sons estridentes e disparando impropérios.
As farpas de trevas se alongavam e cortavam e estrepavam, enquanto as espadas giravam como faíscas.
No entanto, após a surpresa inicial, os dem?nios se reagruparam e, com sorrisos triunfantes, lhe fizeram frente. A luta se tornou mais equilibrada, e ela percebeu que n?o poderia sair dali, por si só.
Mas ela sorriu, por saber que n?o estava só.
Ele ent?o veio ao longo da parede, deixando atrás de si um rastro de morte, e se posicionou ao seu lado.
Layla nem se preocupou em olhar para o seu lado, pois sabia quem era ele.
Lógico que iria querer saber, se ficassem vivos nessa vida, ou na próxima, quando despertassem novamente, por que ele a deixara ser torturada da forma que fora. N?o fora muito legal da parte dele, pensou irritada, lan?ando sua escurid?o para a frente, descarregando nos dem?nios sua momentanea fúria.
Os dem?nios sussurraram o nome, e havia um ódio mortal em suas falas, e eles caíram sobre os dois como o deslizamento de uma montanha.