Abri os bra?os frente à tempestade da vida. Com o cora??o batendo forte avancei. O medo me amea?ava, mas eu continuei, até que o próprio medo se destruiu. Livre alcei o bra?o, o dedo esticado para o infinito. Finalmente...
- Aqui está você, Lázarus – falou o caído, descendo no monte de grandes rochas, de onde o AsaLonga parecia ouvir o mundo.
Lázarus o examinou com aparente indiferen?a. Bem devagar, novamente voltou os olhos para a terra.
- Sim, aqui estou eu, Drael – respondeu com desinteresse.
- Isto aqui é um inferno – falou, a voz pensativa. – Os homens conspurcaram o paraíso.
- O paraíso foi feito para eles... – repreendeu com descaso.
- Pois aqui está – falou estendo os bra?os e as asas, como se quisesse abarcar tudo o que havia. – Essa é a alma do amado homem. Foi contra isso que nós nos rebelamos.
O anjo caído parou de falar, os olhos tristes postos em dois de seus comandados ao longe, que tentavam se elevar com potência, buscando fugir do planeta. Mas havia algo que os impedia, confirmou abatido. Eles n?o poderiam mais subir aos céus. Centenas, milhares deles, presos no mundo que o homem tinha por destino mudar e destruir.
> Eles s?o maus, eles n?o desfrutam do amor do pai. S?o egoístas e já nascem em pecado. Eles têm uma cobi?a perigosa, um individualismo nunca visto. Eles querem aprisionar a beleza, e julgam fraqueza o que é bondade. E esses miseráveis acreditam mesmo que tudo que o Pai criou, tudo criou apenas para eles. Eles podem matar, eles podem derrubar florestas, eles podem aprisionar e rasgar a terra, e tudo estará bem, porque tudo foi dado para eles usarem e consumirem. Que desprezíveis eles s?o!
- Se você se esqueceu, eu n?o caí – lembrou. – E, quanto a eles, eles est?o aqui para isso mesmo, para aprender. Você sabe disso – admoestou. – Eles v?o se elevando lentamente, até se tornarem luzes. Você já viu em que eles podem se transformar.
- Só vi que como escravos e brinquedos eles podem ter alguma utilizada - debochou. - Eles s?o apenas bonecos. E olha que esses bonecos de barro nem mesmo foram pensados pelo Trov?o – falou com desprezo. – Eles s?o fracos, s?o desprezíveis – falou, a m?o acariciando o cabo da espada, o que p?s o anjo de sobreaviso.
- Insatisfeito ainda? As consequências...
- Sim, as consequências... – falou, a voz tensa. – As consequências vieram sim, de trai??o – falou aumentando o tom de voz. - Trai??o de irm?os, trai??o daqueles em quem confiávamos.
- Trai??o... – Lázarus repetiu baixinho, o pensamento perdido na palavra, os olhos nas montanhas sombrias e no Castelo Negro, além das Montanhas de Cera.
- Isso, examine bem o local onde você destruiu tudo o que tínhamos, onde você traiu tudo o que éramos – acusou, o fel destilando em suas palavras.
A espada cortou o ar, queimando e chiando, passando a milímetros de Lázarus, que se moveu um mínimo para trás.
Quando encarou o vigilante a espada já estava ao lado do corpo, os veios pulsando num azul escuro quase negro.
- Eu n?o faria isso – Lázarus alertou, os olhos atentos ao caído, procurando os menores sinais de um novo ataque.
E ele veio, com fúria e fome. O anjo bloqueou a espada, e novamente, e novamente.
Mas, com uma fúria desmedida do outro, que lhe aumentou a for?a, a espada do anjo caído passou e cortou fundo a partir do ombro. Lázarus, tomado de fúria, abriu as asas e girou, cortando parte da garganta do outro, que recuou segurando assustado a garganta, tentando se curar parando o sangue que escorria e, assim, restabelecer a respira??o.
Lázarus, com uma terrível frieza, chutou para longe a espada que o outro deixara cair e, sem tirar os olhos do assustado caído que procurava aumentar a distancia, tr?pego e inseguro, se aproximava lentamente, a espada ao lado do corpo, amea?adora.
Foi nesse momento que dois vigilantes desceram, e momentaneamente, o impediram de consumar a morte do caído.
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Mas foi apenas por um breve momento.
Um dos que protegiam Drael teve as pernas amputadas, enquanto o outro teve uma das asas decepadas. Os três tentaram recuar, e foram mortos assim.
Tomado de ódio Lázarus subiu sobre os corpos e os picou, se lambuzando do sangue e de peda?os deles.
Muitos vigilantes e anjos come?aram a descer à frente dele, os olhos furiosos encarando-o.
Lázarus, com um sorriso cínico, se afastou, deixando que se aproximassem dos corpos mutilados.
Eles fizeram um círculo em torno dele, e ficaram ali, guardando os restos dos companheiros.
Lázarus viu, com apreens?o, muitos caídos se formando ao lado dos corpos rotos e daqueles que os guardavam. Muitos deles estavam como trapos acinzentados, todos eles adejando no ar que havia se tornado triste.
Nesse momento viu descer um grande vigilante, que reconheceu ser Beliel, o grande Beliel.
Segurou a espada com mais firmeza.
N?o p?de deixar de suspirar aliviado quando alguns dranians e anjos desceram suaves ao seu lado.
Beliel empertigou-se, a raiva amea?ando tomá-lo e obrigá-lo a atacar.
- Renego vocês e o que representam – falou Beliel em desafio que, Lázarus sabia, estava endere?ado para os anjos e para o UM. - Renego esse Pai que nos abandonou por amar mais os bonecos que criou como uma brincadeira. Mas, n?o renego esses bonecos – declarou, os lábios formando um sorriso cínico. – Vou me servir deles, vou me fortalecer com eles, vou me fartar neles. Eles ser?o meus escravos e meus brinquedos, e vocês nada poder?o fazer, porque já que fui lan?ado aqui, aqui me tornei mais forte que vocês. Vocês n?o s?o daqui, mas agora eu e os meus somos, e vocês nada poder?o fazer sobre isso. Ent?o, que digam a todos: somos os vigilantes, mas n?o vigiamos mais pelo PAI, porque agora vigiamos os nossos domínios.
Com um sinal quase imperceptível da m?o impediu que os anjos fossem atacados.
Já mais recomposto Beliel sentou-se numa pedra, examinando a dor dos que o acompanhavam.
Mesmo quando desceram mais anjos, alguns brancos mantos como leite e outros com suas vestes esvoa?antes como len?os na tempestade, n?o se moveu. Com um aceno tranquilo da cabe?a mandou que os seus levassem embora os mortos.
Seus olhos se fixaram no gigante que matara os seus, em paz, no meio daquele lugar conspurcado pelo sangue dos anjos.
Havia uma dignidade tocante naquele anjo, que conhecia muito bem, como os seus comandados, que n?o fizeram qualquer men??o de ir contra ele, e duvidou que, mesmo que ordenasse, eles o fizessem.
O gigante sabia que ele n?o ordenaria isso, naquele momento. As m?os tranquilas na espada denunciavam isso.
Lázarus suspirou demorado. Devagar se aproximou e sentou-se na pedra, ao seu lado.
Beliel deixou a cabe?a e os ombros penderem, os pensamentos se esticando por infindáveis eras percorridas. De que servira toda a estória que escrevera?, se pegou perguntando a um pequeno pedregulho.
> Ah, pelos seus modos espero, sinceramente, que n?o tente me convencer com sua velha conversa, Lázarus. – sorriu tristemente, observando o anjo com carinho.
Beliel inspirou com suavidade. Como sentia falta daquela paz, daquele poder divino, daquele controle e daquele... amor. Como sentia falta do seu irm?o.
- Você fez suas escolhas, meu irm?o, como todos vocês – falou passando o olhar pelos outros, que se mantinham em paz, sentados no ch?o, no meio da grama ou encostados em algum arbusto. – Livre arbítrio. Respeito vocês por isso. Um dia vocês ir?o despertar, e meu cora??o irá se alegrar e cantar por isso. Aguardarei esse momento.
- Ah, meu querido irm?o, duvido que esse dia chegue. Estamos nos afundando cada vez mais, e cada vez mais temos menos em que lembrar. Só há essa saudade. Você deveria experimentar – sorriu amargamente. – Sabe, deixar de gostar de ser t?o...
- Chato? – sorriu apaziguador.
- Guerreiro...
- Ah, Beliel, é certo que o tempo de despertar irá chegar, meu amado irm?o. Você n?o se lembra mais, mas somos da mesma família – falou se levantando, abrindo um mínimo as asas brancas como leite.
- N?o sei mais se isso é verdade – falou, um tom pesado e triste na voz. – Mas, eu só pe?o, Lázarus, que n?o nos encontremos nos campos de batalha, porque eles estar?o por aqui, esses campos, espalhados por toda essa terra, pelo tempo infinito à frente. N?o quero ir contra você. Mas irei, se isso se mostrar – avisou tentando aparentar tranquilidade.
- Também n?o gostaria de ir contra você, contra vocês. Mas, se isso se mostrar, todos nós faremos nossas escolhas. Mas, mesmo que isso aconte?a, sempre estarei esperando pela reden??o de vocês...
- E nós, meu irm?o, sempre estaremos esperando pelo seu despertar.
- Que assim seja – falou Lázarus com um sorriso amistoso no rosto. – Mas lembre-se, vocês est?o aqui nesse mundo, mas n?o s?o desse mundo.
- Agora somos, agora somos – Beliel falou com a voz cansada. – é o que nos restou, esse mundo. E tudo o que nele há agora nos pertence.
- Se engana! Esse mundo e as criaturas que nele habitam n?o s?o seus. Eles n?o devem ser tocados.
Subitamente, como um flash, a luz se elevou um mínimo e Lázarus desapareceu, subindo incrivelmente rápido no céu, num átimo seguido pelos outros.
Beliel inspirou forte, os olhos varrendo o mundo.
- Bem, meus irm?os, vamos ver o nosso mundo? Tudo isso aqui nos foi dado, para que nos sirvamos dele – falou relaxando a m?o no cabo da espada. Com um tapa suave na pedra se levantou.
- E o aviso de Lázarus? – perguntou um caído se aproximando de Beliel.
- Ah, ... vejo um campo de batalha, logo aqui à frente... – suspirou, sentindo-se até aliviado. - O que n?o pode ser evitado, n?o deve ser adiado – falou, evitando pensar sobre o que viria em consequência do que planejava para o futuro.
Como alguns chamam os homens. (*)
Vigilantes que n?o abriram m?os da luz, mesmo que caídos. (*)