Me incomoda a sua liberdade, e isso é assim porque mostra o quanto estou preso. Sei que deveria tentar me libertar, mas sabe de uma coisa? é bem mais fácil te aprisionar.
Lázarus olhou tudo o que havia e inspirou com prazer. Ali era seu peda?o de paraíso, seu jardim particular. O lugar era conhecido como a ‘Par Adenai”, ou simplesmente como Jardim, e o reconhecimento do lugar pelos outros lhe agradava. Ele estava localizado nas Montanhas de Jade, no sul do continente de Mércia, um lugar de clima extremamente agradável. De encontro ao contraforte da mais alta daquelas montanhas que olhava para a foz do rio solo e para o sombrio construíra seu castelo, um lugar de amplas varandas colunadas e inúmeras pontes e passarelas que pareciam flutuar por cima das quedas d’água e precipícios, além de inúmeros mirantes espalhados por todo o edifício. Era como uma joia branca e cinza se elevando do ch?o para um pouco acima do segundo ter?o da montanha. Quando Lázarus construiu Par Adenai seguiu quase que fielmente os contornos da montanha, motivo pelo qual, ao longe, parecia uma grande face branca e luminosa da própria montanha.
E, acima da constru??o, mas próximo o suficiente para que seus moradores se sentissem em casa, inúmeros ninhos escavados no largo pared?o, se espichando para dentro das montanhas, quase todos já ocupados pelos inúmeros drag?es que Lázarus resgatava das diversas terras.
Era ali que gostava de pensar, meditar. Uma pedra ali, uma árvore, plantar um córrego novo, elevar um morro ou mesmo, só ficar quieto, se deixando esquecido ali.
Lázarus ficou quieto, avaliando o curso do regato que saia de uma floresta que revigorara e aumentara há poucos dias.
Ainda sem muita certeza agarrou uma grande rocha e a tirou do caminho, liberando o curso que desejava que a água tomasse. Com o cenho franzido ficou seguindo a água tomando o novo curso, se dando por satisfeito ao ver que a água mostrava sua energia mais equilibrada.
De longe sentiu a aproxima??o dos anjos, que resolveu desconsiderar. A energia deles n?o estava muito boa, principalmente daquele que chefiava a coorte.
Na curva do regato viu um nódulo de energia, onde ela turbilhonava e se represava momentaneamente.
Com um movimento plantou ali uma árvore, o que ajudou a dissolver o nódulo.
- Agora aqui ficou bom – se parabenizou.
- Há quanto tempo está fazendo esse jardim, Lázarus? – perguntou o anjo descendo à frente do AsaLonga, vendo como o jardim estava realmente muito bonito.
Safiel rodou sua aten??o pelo local. Cada vez que vinha havia algo diferente. Quem diria que um dia iria ver o guerreiro feroz dos velhos tempos cuidando de um jardim. Com prazer viu muitas árvores, folhagens, água e pedras, e alguns gazebos, pavilh?es e coretos espalhados pelo terreno, nos quais se podiam ver bancos largos e convidativos. Devagar p?s seus olhos sobre Par Adenai, a imensa residência de Lázarus que subia agarrada à face da montanha, em suas harmoniosas e belas linhas e espa?os majestosos e suaves. Em quase todas elas longos e graciosos arcos sobre cachoeiras que desciam das faces das montanhas. Era fácil ver como a água fora usada como aspecto decorativo e energizante ali, pois muitas constru??es de vários andares adornados de colunas e arcos leves e graciosos estavam sobre os leitos pedregosos onde ela corria e marulhava feliz.
Safiel levantou os olhos, andar por andar, torre por torre, passarela por passarela. E lá estavam eles, magníficos e majestosos. Dois drag?es brancos, possivelmente um casal, estavam no último andar, enquanto que aquela que parecia ser uma companhia constante para Lázarus, uma azul de Corbélia, parecia um monte escuro, enrodilhada e adormecida no terceiro andar.
Ent?o viu algumas covas novas na face da montanha, cinco ao todo.
- Mais ninhos?
- Sim, mais alguns – respondeu sem muita vontade, sua aten??o ainda no jardim.
- Trouxe mais alguns drag?es?
- Trouxe um casal verde e um sombra, que est?o na caverna mais funda. Também trouxe um vermelho espinhento, que estava quase morto quando o encontrei. Estou cuidando dele, e logo ele estará bem.
- Vi uma cara de um drag?o de ouro. N?o vai dar problema por aqui?
- Ah n?o... Ele é bem velho, e enchi a toca dele com bastante coisa brilhante. Ele está satisfeito – riu, movendo uma outra pedra.
- Sem contar no a?oite, que vi sobre a torre norte. – ele parecia te seguir com o olhar.
Lázarus parou o que fazia, os olhos voltando-se para cima, até encontrá-lo. Sorriu com carinho.
Safiel seguiu seu olhar, e viu o a?oite se deitar, a cara à frente, fixa em Lázarus.
- O que aconteceu com ele? Ele parece bem jovem.
- Eu a encontrei na beira do mar. Era uma órf?. Ela estava muito triste e abatida.
- E aquele meio arisco, o das sombras?
- Ah, ele se recuperou. Foi em paz, n?o faz muito tempo...
- Entendi... Que bom, Lázarus. Ent?o, aqui é um santuário para eles – sussurrou satisfeito. – Algum deles lhe disse o nome?
- N?o – respondeu absorto, sua aten??o numa árvore. – Eles sabem que est?o aqui apenas para se cuidarem e se aclimatarem com essa terra. Esses novos eu trouxe todos dos reinos do leste e de árica.
- E do reino de Macau – lembrou Safiel.
- Claro que sim. E do reino de Macau.
Safiel n?o pode deixar de sorrir satisfeito. Era sempre bom ter aquelas criaturas por perto. Ent?o voltou os olhos novamente para o jardim aos pés de Par Adenai.
Vendo o AsaLonga cismando sobre um curso de água teve certeza de que fora nessas constru??es que muitos dos ellos se espelharam para os seus próprios edifícios.
Sem dúvida havia muito cuidado e carinho ali.
- Ah, sabe que nem sei. N?o me preocupo com o tempo aqui – confessou.
Com interesse Lázarus voltou o rosto para o lado, examinando com curiosidade o séquito que acompanhava o anjo, composto de outros três anjos, que pareciam crian?as no exame do jardim.
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> Esperando problemas, Safiel? – sorriu para o anjo que o observava com desaprova??o.
- N?o, n?o estou. Você está vendo algum problema? – sorriu maroto.
- Também n?o. Que problema poderia haver?
- Sabe, estou preocupado demais com você, jardineiro – reclamou o anjo sentando num banco de pedras que Lázarus lavrara há mais de cem anos.
Lázarus ignorou sua presen?a por algum tempo, reavaliando o seu trabalho. Se deu por satisfeito, por enquanto. Ent?o voltou os olhos para o céu azul, onde uma lua diáfana em quarto-crescente passeava.
Por fim se voltou para o anjo, que o aguardava pacientemente.
- Vamos? – convidou, elevando-se devagar de costas para sua casa, enquanto examinava de cada vez mais alto o seu jardim. Ent?o se virou no ar e pousou no último andar, numa varanda ampla na frente de uma constru??o de amplos c?modos, atrás da qual uma cachoeira caia num ruído agradável e reconfortante, o que foi muito agradável para os anjos.
- Uma constru??o muito agradável – Safiel parabenizou. – No entanto, n?o é muito grande para um só, Lázarus?
- às vezes penso nisso, mas, está tudo bem – sorriu, trazendo do interior um grande jarro de hidromel que depositou na grande mesa central, do qual todos, com largos sorrisos, foram se servindo.
Safiel o viu primeiro, o que chamou a aten??o dos outros.
Lázarus se virou, e o viu na esquina da varanda.
Com um largo sorriso o convidou para o seu lado.
Os passos eram suaves e silenciosos, quase n?o podendo ser ouvidos.
O a?oite entrou devagar, os olhos passando por todos, se ficando depois em Lázarus. Quando chegou junto dele se deitou, os modos tranquilos e em paz.
Ele já tinha quase três metros de comprimento, e sua envergadura n?o devia superar 1 metro. Sua cor era um verde e azul.
Lázarus, após ajeitar todos à mesa tomou um copo de hidromel e sentou-se ao lado do pequeno drag?o, as costas apoiadas na parede. O drag?o colocou a cabe?a em suas pernas, seu corpo todo parecendo ganhar alguma luminosidade. Devagar fechou os olhos.
- Ent?o me diga, Safiel, o que precisamente está te incomodando? – Lázarus questionou. – Mas, antes que diga algo, naquele dia n?o tive tempo e cabe?a para te agradecer por me ter apoiado quando Beliel apareceu lá com sua turma.
- Eles n?o iriam te atacar, n?o naquele momento. Você sabia disso.
- Acho que sabia. Acredita que Beliel já mudou de ideia? – sorriu, o corpo totalmente relaxado.
- Eu acho que ele está come?ando a pensar que você n?o é mais irm?o dele – revelou sorvendo um grande gole da bebida, sem tirar dos olhos o quanto estava chateado. – Afinal, você matou três da família dele, n?o matou? Você matou Drael, retalhou e subiu sobre o cadáver dele, o profanou.
- Eles me atacaram, Safiel. Drael me acusou de ser um traidor, de ser a causa da queda, ao menos da deles, e me atacou. O que eu deveria fazer? – se defendeu.
- Você precisa ao menos tentar entender os outros, nem que seja de vez em quando. Conversar, sabe? Sabe o que é conversar? O que você devia ter feito era ter agido menos como guerreiro. E, vamos dizer que, mesmo agindo como um, acho que você exagerou. Tem certeza de que é mesmo um AsaLonga? Você está mais se parecendo com um caído louco e raivoso – acusou.
- Sabe, eu estou realmente muito cansado. Parece que ultimamente estou sendo acusado por tudo o que está acontecendo de ruim ou inc?modo nesse mundo.
- Também soubemos que atacou alde?es desprotegidos... – acusou novamente.
- Está bem, entendi... Vocês vieram atrás de um confronto, é isso? – exasperou-se. Mas, depressa se acalmou, ao ver o a?oite levantar a cabe?a e encarar Safiel. – Calma, calma. Discuss?o de amigos – falou, ficando mais tranquilo quando o filhote voltou a adormecer em suas pernas.
Safiel o avaliou com aten??o.
- Sempre o guerreiro, n?o é mesmo? Quando vai evoluir? Quando, afinal, você vai crescer? – repreendeu com energia.
- Já estou há muito tempo assim...
- é verdade, muito tempo. Ent?o, devo julgar que você é incompetente demais para evoluir, é isso? – falou como uma crítica. - Você é um imbecil, Lázarus. Sua família já n?o está com você. Você está só. Alguns est?o encarnados aqui em Urantia, alguns como humanos e outros como pessoas, e a grande maioria já foi embora daqui. Mas, você fica... O que, realmente, faz aqui?
- Apenas estou aqui, e n?o há nada que me diga que n?o posso estar.
- Realmente, n?o há nada que te impe?a. Mas, nós estamos aqui, e cuidamos desse lugar...
- Para que permane?a essa merda, é isso?
Safiel o observou com cuidado, o desanimo se mostrando em seu rosto. Sabia o valor que aquele AsaLonga tinha, podia ver isso em sua alma, como sabia que ele permanecia ali, mesmo sozinho, só para cuidar de sua família, daqueles que haviam descido na experiência, apesar de todos eles se ocultarem dele. Sempre ali, esperando, disponível. Mas, ele era irritante demais. Perdido nesses pensamentos encheu novamente o copo de vidro, do qual deu uma pequena golada.
- Um aviso, AsaLonga – falou após estalar a língua com enorme prazer, a voz numa entona??o fria. - Tome muito cuidado...
- Com vocês? – rilhou os dentes.
- Larga de tanto ego, Lázarus – ralhou de novo. - Beliel o amea?ou. Ele está movendo as pe?as, e se prestar aten??o verá que ele caiu um pouco mais. N?o confie mais nas memórias que ele tinha.
Lázarus se sentiu mal por ter confrontado os anjos. Muitas vezes esse seu jeito era muito inc?modo. Sem jeito se fixou nos olhos de Safiel.
- Está bem, me desculpe Safiel. Você está certo, sei que ele está preparando o terreno para mim. Preocupados?
- N?o com você, mas com o que pode acontecer. Eles n?o podem sair do planeta, nem os humanos e nem as pessoas e dem?nios que est?o aqui.
- Entendi... Eles n?o podem sair do planeta, mas eu posso, é isso? Vocês est?o preocupados com o reflexo que uma batalha entre nós pode ter nos homens e nas pessoas...
- Lázarus, Lázarus, nunca as coisas s?o só sobre você. As a??es de qualquer consciência repercutem no coletivo, devia se lembrar disso. Nunca se esque?a de que você cria quando pensa, quando sente, quando lan?a suas emo??es. Mas, já que pensa que as coisas s?o sempre sobre você, tem certeza de que sabe tudo sobre os AsasLongas?
Sabia que Safiel viu seu nível de aten??o subir subitamente. Ele fora esperto, e o pegara de surpresa. Mas, resolveu n?o dar o bra?o a torcer. Uma birrazinha, sorriu.
- Eu sei o que preciso saber.
- Eu acho que n?o.
Lázarus se focou completamente no anjo, algo perturbador se insinuando em sua mente. Sabia que fora um impulso ter descido ao planeta tanto tempo atrás, mas agora, frente às insinua??es do anjo e da vigilante, ficou se perguntando se houvera algo perigoso em sua escolha.
> Ent?o, Lázarus, procure saber mais – falou pousando o copo na mesa e se levantando, no que foi imitado pelos outros anjos, que agradeceram Lázarus com um movimento leve de cabe?a. - Há alguns antigos descidos por aí, ou ao menos alguém que sabe a estória deles, ou quem sabe você encontre alguém que pode ter ouvido por aí... Enquanto for... – insinuou malicioso, partindo rapidamente, sem lhe dar tempo para qualquer rea??o. Sabia que ele partia satisfeito em companhia dos seus, e n?o pode deixar de achar isso engra?ado. Ele era muito sacana.
Lázarus ficou observando-os se afastarem, cismando que as insinua??es que ele fizera, no fundo, eram as mesmas da vigilante. Safiel usara bem as palavras. Era claro que ele queria que ele a encontrasse, confirmou enquanto acariciava a cabe?a do a?oite.
Tomando uma decis?o subiu a frequência para a quarta dimens?o, que ficou examinando. Estava denso demais ali. Registrou sem muito interesse que ali parecia ter ficado mais escuro e penumbroso, como se o ar estivesse mais pesado e opressivo.
Estendeu sua consciência por toda aquela dimens?o, e percebeu que n?o estava gostando muito de ficar ali.
Suspirou fundo.
Um grito raivoso à direita. Virou-se e viu um bando de seres penumbrosos, olhos arregalados e vermelho vivos, asas de formatos esgar?ados. Eles o cercavam lentamente, se aproximando cheios de receios e raiva.
Aumentou sua luz e eles se afastaram apressadamente, gritando e maldizendo tudo o que havia.
O ambiente que foi iluminado o deprimiu. Aqueles lugares já haviam sido bem mais belos e harm?nicos, um lugar transitório de cria??o, agora parecendo um lugar de opress?o.
Ent?o voltou para a terceira dimens?o e tranquilizou o filhote, que tinha toda sua aten??o em si.
- Agora você precisa ir, meu amiguinho. Tudo vai ficar bem. Você está entre amigos, muitos amigos – sussurrou com carinho.
Seu cora??o bateu suave, ao vê-lo aproximar sua cara da sua, o murmúrio suave que ele deu. Encostou sua cabe?a na dele, e se deixou um pouco ali, sentindo uma onda de calor e bem-estar vindas dele. Ent?o o viu se virar e, da varanda, saltar e se mover para o andar de cima, voltando para o ninho que havia ele havia providenciado lá.
Ent?o estendeu sua consciência, até que a localizou, n?o muito distante dali.
Bebida alcoólica derivada da fermenta??o do mel (*).