Eu fico te olhando, observando, desejando que todo o amor que lhe tenho seja o amor que desejo deixar ao mundo como heran?a.
Lázarus espregui?ou-se, deixando sua aten??o se esticar para as montanhas ao longe.
Era primavera, e parecia que um deus muito eufórico havia passado por ali. Havia cores demais, vida festiva demais. E aquele era o momento em que os drag?es mais gostavam de vir ao mundo, sorriu, observando ao lado, onde sua amiga Buba, a drag?o azul de Corbélia, se mostrava muito ansiosa.
Lázarus ficou em silêncio ao lado da drag?o, acariciando sua cabe?a. Ela estava impaciente, e ele via o esfor?o que ela fazia para n?o se mexer com muita energia. Ainda agora, depois de tanto trabalho e dedica??o, via a diligência dela para que a temperatura n?o ultrapassasse os 36 graus centígrados, necessário para que um macho nascesse.
- Calma, calma... Tudo vai dar certo – ele lhe disse, sentado ao seu lado no banquinho, pacientemente aguardando.
Lázarus o sentiu chegando de longe, como ela também sentiu, denunciado por seus modos, agora mais leves e suaves.
Quando o gigante azul desceu com suavidade ao lado do ninho, Lázarus se levantou e o cumprimentou. O macho fez uma mesura majestosa e, após tocar com sua enorme cabe?a a cabe?a da fêmea, ficou ao lado, orgulhoso, o peito estufado para a frente, os olhos gentis nela postos.
De repente ela se tornou mais alerta, o que deixou os dois de sobreaviso.
Lázarus e o macho viram quando o olhar dela mudou. Em movimentos lentos e suaves a viram se mover e abandonar o ninho, se virando para ele. Lázarus se levantou depressa, os olhos no ninho, os olhos no ovo. E ali, no ovo que perdia as cores moventes, um pequeno furo surgiu e, logo após, um outro, e outro, e mais outro. Em completa aten??o viram a casca e a membrana serem rompidas. Um movimento nas sombras, e ent?o um focinho quase branco surgiu. N?o demorou e ele se for?ou para fora, um pequeno ser mais branco que azul. Ele saiu cambaleante do ninho, se chacoalhou e caiu de lado, o que obrigou Lázarus a rir feliz. Ele se levantou novamente, os olhinhos sondando os três, a cauda chicoteando o ar em movimentos lentos e suaves.
Ent?o, lentamente, cada um por sua vez falou com o pequeno, lhe dando as boas-vindas ao mundo.
A fêmea, com muito carinho, empurrou o pequeno com o focinho na dire??o do pai enquanto, como se fizesse parte de uma cerim?nia, tomava o ovo vazio e o devorava, n?o deixando qualquer rastro do mesmo. O pai, confirmando que a fêmea já fizera sumir o ovo, aproximou a enorme boca do filho. A garganta se avermelhou suavemente. Tomado de majestade ele soprou, envolvendo o filhote em um fogo brando e gentil, fazendo desaparecer qualquer sinal do albúmen e dos outros restos. O filhote, como se estivesse sendo enormemente acariciado, se deixava feliz no fogo paterno.
Lázarus se afastou um pouco e abriu caminho para a m?e. De um lado viu os dois a banhar o filho que, radiante de felicidade, se remexia nas chamas coloridas.
- N?o acredito, n?o acredito – ralhou Ariel se ajoelhando na frente do filhote, sob o olhar amoroso dos pais. – Você n?o foi correto comigo, Lázarus. Por que n?o me chamou?
- Me desculpe. Eu estava conversando com ela, e a gente nem pensava que ele poderia nascer naquele momento.
- Mas quando o grand?o aqui surgiu no ninho devia ter acendido um semancol em você, n?o devia? – continuou a ralhar, acariciando o pequeno, que rodava em torno dela como um gatinho.
- Ent?o, reclame com ele – Lázarus disse, apontando com a cabe?a para o pai. – Ele sabia, eu n?o – se defendeu.
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- N?o vou perdoar você, Lázarus. E nem vocês – ralhou com a fêmea e o macho, que só tinham olhos para o filhote. – E quando ele vai voar? – perguntou, indo para o assunto que lhe interessava.
- Nem imagino. Acho que daqui uns sete meses...
- Dez meses – ouviram Safiel dizer, descendo ao lado dos pais.
- Oi, Safiel – cumprimentou Ariel, sem tirar os olhos do filhote, que ro?ava em suas pernas e joelhos. – Bem vindo aos traídos – alfinetou com prazer, para constrangimento momentaneo dos três. - E quando ele vai soltar fogo? Ou pelo menos soltar uma fumacinha por essas ventinhas t?o cor-de-rosa? – perguntou calorosa, acariciando o focinho do filhote, que espirrou de leve.
- Ah, isso n?o dá para dizer. Cada um escolhe o seu momento – contou o anjo. - Isso é deles, tal como o momento em que v?o escolher seus nomes.
- Sério? Mas, e como vamos chama-lo até lá. Podemos sugerir nomes?
- Lázarus, o que deu nela? – espantou-se Safiel com o rosto luminoso.
- Doideira momentanea. Deve passar logo. é só ter um pouco de paciência.
- Parem de amolar. E ent?o, como vai ser?
- Pode ser um tempus – falou o pai, a voz ressoando nas cabe?as de todos.
- Tempus? O que quer dizer?
- Tempus é um nome provisório, enquanto ele n?o escolher seu próprio nome, ou enquanto ele n?o os disser – explicou a m?e. – é dado por um dos pais, ou por alguém escolhido por eles.
- Ah, entendi... – cismou Ariel, a voz um tanto debochada e acusadora dirigida para os dois drag?es. - Igual a vocês que n?o me disseram até hoje, e nem deixam o Lázarus me contar? Isso é tempus ent?o – sorriu maliciosa com uma pontada de recrimina??o. – E nem adianta querem me contar agora – avisou depressa, vendo os dois drag?es se entreolharem. – Agora eu estou chateada. Depois, talvez. Me deem um tempus. Ent?o, e quanto ao garot?o aqui, como vai ser? Eu posso escolher um nome provisório para ele? – perguntou toda animada novamente, como uma forma de pagar a trai??o de cada de um vocês?
- Hoje ela n?o acordou bem, n?o é mesmo? – espetou Safiel novamente.
- Vai ser um dia longo, n?o vai? – riu Lázarus. – Mas, vai... Pergunte aos pais dele – riu Lázarus novamente.
- Ent?o? – Ariel perguntou, se virando para os pais. – Sabe, trai??o, esconder nomes... Pagamento pelas faltas... N?o que isso pague, mas ameniza essa terrível dor, essa terrível trai??o...
O gigante azul deixou a cabe?a pender, e todos juravam que ele ria, quando virou a enorme cabe?a para a fêmea, numa pergunta muda.
- Concorda, ádrio? – perguntou a fêmea, uma malícia na cara em um maravilhoso movimento do longo pesco?o enquanto se voltava e se fixava na vigilante.
- Concordo sim, Buba – consentiu, o mesmo sorriso malicioso pendurado na cara. O macho voltou os olhos para ela, e com o pesco?o fez uma mesura, lhe dando autoriza??o para o tempus. Nem bem o pai e a m?e aceitaram o filhote se virou para Ariel e sentou, os olhos dele fixos nos dela.
- Mas vocês s?o terríveis – riu Safiel. – Você viu, Lázarus? Eles contaram, sem contar, o nome deles para Ariel – riu abertamente. – Vocês n?o prestam.
- Olhem, por causa da crian?a aqui, perdoo vocês, ádrio e Buba, e fico muito agradecida. E tirem esse risinho dessas bocarras.
Ariel deu duas tossidinhas, tentando se decidir sobre algum nome de efeito e majestoso.
Devagar rodou pela caverna, foi até a boca da luz de onde sondo os espa?os verdes e azuis além, a mente observando cada item, sentindo o ar, buscando uma inspira??o. Levantou a cabe?a para o céu azul, o desespero amea?ando-a. Ent?o voltou para perto dos cinco, os olhos um pouco desconsolados.
- Nossa, é muito mais difícil do que pensei. Um nome é muito importante – gemeu.
- Ajuda pensar que é um tempus? – Safiel tentou consolar.
- N?o, porque ele vai usar, mesmo que só por um tempo – refutou o auxílio.
- Isso é. Já pensou se ele gosta, e acaba fazendo dele seu nome de verdade? – Lázarus falou. – Há muitos casos em que isso aconteceu.
- é, tem essa possibilidade – sussurrou ádrio.
- Se quiser podemos lhe dizer algum que sempre usamos como tempus – Buba tentou ajudar.
- N?o, tem que ser algo diferente, impactante. Forte e... e ao mesmo tempo, bondoso.
- Tal como a luz? – soprou ádrio.
Lázarus e Safiel n?o puderam deixar de sorrir, ao ver a linda sutileza do drag?o.
- Ah, já sei... – suspirou. – O que acham de Arrivandro? – perguntou ela, as m?os se remexendo nervosas.
- Somado à luz... – reconheceu Lázarus. – Que belo nome, Ariel.
Lázarus viu quando os pais se aproximaram cerimoniosos de Ariel e tocaram com o focinho, cada um em sua vez, a testa da vigilante, que os olhava emocionada. Mas, mais emocionada ela ficou quando o filhote, se postando à sua frente, se deixou cair de bundinha no ch?o, as duas asas meio abertas ao lado em uma mesura, os olhos grandes nos seus, as palavras se formando com alguma dificuldade: Odrigadu - disse com a maior inocência e beleza.
- Nessa ele ganhou a tia – Lázarus cutucou Safiel, sob os olhos de brasa dos pais.
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