A noite que avan?a, eu bem sei, n?o é mais feita de escurid?o.
- Precisava ser feito – Lázarus declarou, a face tranquila e em paz para os amigos que o rodeavam. – Vocês n?o podiam viver com isso sobre suas cabe?as. Eu vi o temor de Valentina quando lutava, temendo ser ferida e despertar a fúria de Mulo; eu vi Avenon se equilibrando em sua parte escura quando se encontrava com qualquer ser. Tinha que ser feito.
Shen, Ariel, Avenon, Mulo e Valentina se entreolharam.
- Eu sei, meu bem, eu sei – falou Ariel, os olhos concentrados. – Você poderia ter morrido nisso.
- Já morri várias vezes, Ariel. Esse mundo já tem em suas entranhas muitos dos corpos que usei.
- Deixa de ser convencido. Nós todos somos assim – falou, mesmo sabendo que n?o teria como competir com o número que Lázarus teria. Afinal, ele já estava nesse planeta quase desde seu início.
- Sabe que n?o foi arrogancia – falou baixinho, vendo os olhos da vigilante passar depressa pela sua espada.
- Estou brincando, Lázarus. Só n?o consegui rir, nem sorrir, pela gravidade do que você fez. Sei que tinha que ser feito, mas...
- Foi um risco calculado, e aceito – falou, os olhos buscando as nuvens no céu, além dos grandes arcos. – E isso porque também foi uma mensagem a outros, dizendo que é possível se conviver em paz com a escurid?o própria.
- Foi um risco imenso – sussurrou baixinho. – Mas, me diga: por que trocou de corpos? – perguntou, tentando tirar a mente dos riscos a que Lázarus se expusera. - E a imortalidade?
- Os corpos já estavam judiados demais – falou, a voz distante e esquecida.
- N?o poderia tê-los recomposto?
- Eles já estavam remendados demais. Além disso, desejo de novidade, eu acho. Eu os fui melhorando, adaptando suas capacidades – falou.
- E foi nisso que chegou? – brincou Avenon, mas sem muita vontade. – Me desculpem... – riu sem jeito.
Mulo n?o aguentou, e deu um tapinha no ombro dele, que fez como se tivesse sido jogado um pouquinho para frente.
Lázarus parou um momento, os olhos tranquilos postos no rosto preocupado de Ariel e nos dos amigos e em Shen, que n?o tirava os olhos dele.
- Sei que se preocupam comigo, e temeram que eu morresse. Mas, como Ariel mesma disse, sou imortal.
- Há coisas mais terríveis que a morte do corpo – gemeu Ariel. – Morte e perda... Você poderia ter se perdido na escurid?o.
- Nunca estive perdido na escurid?o, mesmo quando era Sênior. Minha querida Ariel, sei o que a atormenta, e eu estaria atormentado também se tivesse sido com você. Mas, Sênior está no passado. Posso ter trazido algo dele, mas nada que me arrisque com vocês, com você. E, Sênior foi uma escolha em um momento, e foi um passo. N?o tenho vergonha ou raiva do Sênior que fui – falou, a voz suave e pensativa.
A vigilante levantou os olhos com suavidade, examinando os dele. O que sentiu ali a deixou mais tranquila.
Sorriu.
- Tenho muito orgulho de você, Lázarus – sussurrou. - Você salvou os dois... – falou baixinho, n?o conseguindo deixar de lado a ideia de que quase o perdera. – E isso é muito bom.
- Sabe que isso n?o é verdade. Apenas antecipei o tempo de sanidade para eles – declarou, os olhos passando por eles. Agora sim, se sentindo bem melhor. O que via nos olhos deles lhe diziam que eles estavam muito bem. Já n?o havia mais risco para eles, conferiu com satisfa??o.
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- Você diminuiu muito o risco de cairmos, como diminuiu muito a nossa dor e a dor dos que nos cercam – falou Avenon, em um de seus raros momentos sérios.
- Essa é uma verdade – concordou Mulo. – N?o imagina o quanto lhe sou grato.
- O quanto lhe somos gratos – corrigiu Valentina, os olhos carinhosos passeando pelo rosto do anjo.
- N?o importa como aconteceu, mas aconteceu. Essa é a oportunidade de vocês – falou para os dois dahrars. – E, se isso lhes foi entregue, é simplesmente porque fizeram por merecer. Sinto-me honrado por ter sido usado para lhes entregar esse presente.
Avenon se levantou e apoiou com suavidade a m?o no ombro do anjo e da vigilante, fazendo sinal para Mulo e Valentina, que também se levantaram e se despediram com grande carinho dos dois, percebendo pelos modos que Ariel queria ficar a sós com Lázarus.
Shen também se levantou, passando ao lado de Lázarus e nele ro?ando com a cabe?a com muito carinho. Ent?o parou e olhou cada um deles, logo saltando da varando, voando suavemente para um cantinho que gostava de ficar, ali mesmo, no pico mais alto das Montanhas de Jade.
Avenon e os outros ficaram em silêncio, vendo o voo majestoso do drag?o, até ele sumir num dos picos.
- Acho que Lázarus vai ficar com as orelhas bem vermelhas – falou Avenon como se tivesse acordado, n?o conseguindo ainda rir de suas próprias piadas.
- E acho que ele merece – soltou Mulo, afastando-se na companhia dos dois.
- O quanto você se arriscou – Ariel sofreu, dobrando o corpo para frente e segurando o rosto do caído de frente para si. – Por que n?o nos chamou para ajudá-lo, ou aos anjos?
Lázarus sentiu sua alma pesar ao ver aquela dor ali, aquele sofrimento puro e completo.
- Eles precisavam de foco, de confian?a – a voz cheia de carinho. - Qualquer energia que flutuasse, um mínimo que fosse, os colocaria em risco, e n?o só a eles – esclareceu.
Ariel suspirou forte e lentamente, soltando o seu rosto, mas ainda mantendo a aten??o na face do anjo. Havia verdade no que ele dizia, e tinha certeza de que agiria da mesma forma, se fosse ela que estivesse no lugar dele.
- Está bem, está bem – concordou. – Ent?o, com o Avenon já sei... Como foi com o Mulo? é muito claro que ele foi o maior risco com que teve que se arrumar. Você se arriscou tanto por qual motivo?
- Ele estava muito mais forte na escurid?o que Avenon, só isso.
- N?o é só isso. N?o queira me poupar. Eu já tinha sentido nele a possibilidade. O risco de que ele perdesse o controle era muito grande, n?o era? Se algo acontecesse com Valentina tudo poderia ser perdido, n?o é isso?
- Algo assim – sorriu.
- Me conte como foi – pediu, a voz impressa em teimosia. – Mulo n?o se lembra de quase nada. Ele só conseguiu nos dizer que, quando abriu os olhos, estava tranquilo e a escurid?o n?o mais o atormentava. Ele disse que abriu os olhos num universo diferente, onde ele tinha que ter muito cuidado com seus pensamentos. E ele te encontrou, sua energia muito baixa. Suas linhas de defesa estavam enfraquecendo rapidamente, enquanto você era atacado e drenado por formas-pensamento escuras e por dem?nios e perdidos – esclareceu. – Foi por muito pouco.
Lázarus a olhou com aten??o, e sorriu.
- Quanto à possibilidade dele ficar louco, isso n?o iria acontecer, se é isso o que pensou. Mas sim, ele iria sofrer demais em tentar se controlar, e havia uma grande possibilidade dele se destruir assim. O que aconteceu com ele foi praticamente igual ao que aconteceu com Avenon, até o momento em que a crian?a surgiu, desamparada e revoltada. Quando me aproximei, quando nos aproximamos, a for?a dela era descomunal, a escurid?o era t?o opressiva que...
- Destruir teria sido fácil, mas dominar n?o... – completou Ariel, tentando imaginar como seria se tentasse segurar uma tempestade sem querer se arriscar a que ela se dissipasse.
- Algo assim.
- Como fez?
- Só havia um lugar com seres que eu podia usar, e com formas-pensamentos que pudessem se manter pelo tempo necessário.
- Que lugar foi esse? – perguntou, se questionando se queria mesmo de ouvir o que sabia que ele iria dizer.
- Você sabe onde foi – ele falou, a voz um pouco pesada, como se estivesse se lembrando de alguma dor.
- Onde é esse lugar, Lázarus?
- Eu o levei para a quarta dimens?o, e lá eu dilui seu poder escuro.
Ariel ficou sem palavras, estudando com aten??o o rosto de Lázarus.
- Eu imaginava que tivesse feito isso, mas n?o quis acreditar. Isso foi loucura... – gemeu Ariel. – Foi inteligente, mas loucura – desabafou. – Quantos usou?
- Quantos eu consegui aprisionar. Acho que foram uns treze, e por eles dilui a escurid?o. Mas, quando faltavam três para acalmar, eu já estava ficando sem for?as e... Foi muito difícil... Mulo foi o último. Quando ele terminou de se equilibrar eu n?o consegui mais sair – revelou. – Só havia escurid?o à minha volta. Ent?o, quando abri os olhos, vocês estavam lá, todos vocês... Obrigado...
Ariel o puxou para si em um abra?o apertado e demorado.
- Vou ser obrigada a escolher seus amigos. N?o aceito mais nenhum escuro que o ponha em risco de se perder – falou em seu ouvido, seguido de um riso baixinho e carinhoso.