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Capítulo 24 - Anatomia

  — Lembra de nossas aventuras, Gabriel? Até mesmo você teve que admitir que gostou do nosso livro anat?mico. T?o detalhado, t?o artístico. Os animais s?o ainda mais interessantes por dentro do que por fora.

  Sentada confortavelmente em seu ‘covil’, Ana folheava suas anota??es do Grande Vazio. Esse era um dos poucos livros que sobraram depois do retorno, um desgastado caderno que sempre andava com a garota, sempre preparado para receber novas linhas de conhecimento.

  Embora seus olhos estivessem fixos nas páginas amareladas, suas palavras se perdiam nas paredes, ressoando nos cantos sombrios que nunca responderiam.

  Um toque sutil e hesitante na porta a liberou de seu estupor, trazendo seus olhos nublados de volta para a realidade.

  — Entre, Maria.

  Os passos lentos ressoaram no espa?o até que a jovem parou diante de Ana, escondendo seus olhos sob a aba do chapéu, incapaz de encarar diretamente sua antiga conhecida.

  — P-parabéns por se tornar uma rainha de prata… foi realmente rápido.

  — Oh, sim, obrigada. As notícias realmente correm rápido, n?o é mesmo? Me pergunto no ouvido de quantas pessoas isso já chegou.

  O ar frio que entrava pela janela tornava o clima ainda mais pesado. As frases eram ditas de forma casual, mas os espinhos podiam ser sentidos em cada palavra.

  — Você sabe, Ana... o mundo gira em torno do dinheiro, e eu ganho o meu com informa??es, é minha forma de sobreviver. N?o pretendia te prejudicar, aceitei vir aqui para mostrar que estou arrependida. Ainda podemos ser parceiras…

  Sem uma resposta às desculpas de Maria, Ana fechou o caderno com um baque surdo e o colocou sobre a mesa.

  — Sente-se, n?o vamos conversar com você em pé. O que você acha disso?

  Maria pegou o livro com as m?os trêmulas. Seus olhos percorriam as páginas em uma velocidade acima da média, e era notável que a jovem comerciante já era experiente em captar os principais pontos de um texto com apenas um olhar.

  — é incrível, nunca vi um registro t?o detalhado da fauna do nosso mundo original — falou com uma voz tensa, mas sincera.

  — Sim, incrível, mas inútil desde que a grande maioria das espécies foi alterada pela mana — Ana se acomodou melhor na cadeira, pegando seu celular e colocando uma música suave para tocar, o que deu um tom surreal à conversa. — Apesar disso, esses registros me trazem boas lembran?as. Planejo reescrever este livro, catalogando cada nova criatura que encontrar em minhas futuras excurs?es.

  — Já tem bastante gente fazendo isso, n?o é mais fácil só comprar os estudos prontos? — Maria tentou aliviar o clima com uma brincadeira. Ela n?o entendia em que dire??o a conversa estava indo, mas a forte tens?o no ar estava ati?ando seus instintos.

  — Pode soar um pouco presun?oso, mas confio mais na minha própria análise. Embora só tenha uma pequena parte dos registros originais, posso afirmar com orgulho que estudei profundamente todas as formas de vida da Terra.

  If you spot this tale on Amazon, know that it has been stolen. Report the violation.

  — N?o acho que isso seja possível…

  — Você está certa, eu exagerei. Deixe-me corrigir, estudei a fundo quase todas as formas de vida daquela porcaria de Terra.

  Ana se levantou e se dirigiu ao balc?o próximo a fornalha. Ela parecia encarar as ferramentas que usava na forja, mas na realidade seu olhar estava perdido em pensamentos.

  — Sabe, em minhas viagens, eu sempre tive um arrependimento. A cada novo animal dissecado, a cada novo desenho feito, sempre um fato me atormentava: meus registros nunca poderiam estar completos.

  Abrindo uma pequena maleta médica, ela continuou.

  — Claro, existiam livros com estudos anat?micos, mas tente me entender! Eu tinha minha própria cole??o, fui de um lado a outro desse mundo aproveitando tudo que ele tinha a oferecer, você entende a minha angústia por n?o poder escrever justo sobre a espécie dominante deste mundo?

  — Me desculpe...

  — Desculpar? Você entendeu errado, n?o estou brava como você, afinal, você salvou minha vida vendendo as informa??es da miss?o para Natalya. Apenas n?o quero que isso se repita.

  — N?o vai, eu prometo.

  — Bem, prefiro n?o dar sorte para o azar.

  “A cabe?a dela está totalmente fodida”, pensou Maria, vendo uma fina agulha de seringa vir em dire??o ao seu pesco?o.

  Lágrimas come?aram a escorrer incessantemente de seus olhos enquanto ela sentia um formigamento estranho percorrendo seu corpo, lentamente entorpecendo todo tipo de sensa??o. Maria n?o era estúpida, o rumo da conversa e as a??es repentinas de Ana esclareceram o que o destino lhe reservava, mas, para sua surpresa, ela n?o desmaiou, e isso tornou tudo muito mais desesperador.

  “O funcionamento das novas veias é incrível, quem diria que o fluxo de mana flui de forma t?o diferente do nosso sangue”

  No início de uma manh? fresca e luminosa, Ana estava ajoelhada diante de um pequeno peda?o de terra úmida em frente ao seu covil, o ar matutino impregnado com o aroma de terra e orvalho. Com as m?os enluvadas, ela cuidadosamente abriu pequenas covas na terra, onde depositava as sementes que havia escolhido para seu novo projeto. Suas a??es eram acompanhadas por murmúrios cheios de explica??es aleatórias para si mesma.

  A noite anterior havia sido longa e cheia de estudos meticulosos. Ela havia passado horas analisando amostras biológicas sob a luz fraca de velas, comparando as estruturas alteradas pela mana com as descri??es em seus antigos livros de biologia.

  — O que você está fazendo? — perguntou Alex, observando as fileiras recém-plantadas. A seu lado, Felipe observava com o mesmo misto de interesse e confus?o.

  — Vou come?ar uma horta própria. Estou curiosa sobre botanica contemporanea e quero aperfei?oar minhas habilidades nessa área também, — explicou Ana, sem levantar os olhos do solo. Sua voz era calma, mas havia uma determina??o firme em suas palavras, refletindo seu desejo de dominar mais um campo do conhecimento.

  Felipe, espiando mais de perto, notou uma cruz rústica decorando o fundo do local.

  — Mas que decora??o mórbida para um jardim, hein? — comentou ele, com uma sobrancelha arqueada e uma nota de humor na voz.

  Ana levantou-se, limpando as m?os no avental, e sorriu misteriosamente para o garoto.

  — é bom ter algo que nos lembre da impermanência da vida enquanto cuidamos do crescimento, n?o é?

  Os outros trocaram olhares, desconfortáveis com a resposta, mas percebendo que, como sempre, Ana tinha camadas em suas a??es que frequentemente iam além do óbvio. Decidiram n?o pressionar por mais explica??es, eles sabiam que Ana sempre teve um jeito peculiar de ver o mundo, e uma estranha sensa??o no ar dizia que era melhor deixar algumas perguntas sem resposta.

  — Ent?o, o que você pretende plantar aqui? Alguma planta estranha? — Mudando de assunto, Alex tentou trazer um pouco de leveza ao momento.

  Ana, satisfeita com a mudan?a de tema, come?ou a descrever seu plano para a horta.

  — Estou pensando em come?ar com algumas ervas simples, talvez algumas medicinais e outras culinárias. Com o tempo, quem sabe, posso come?ar a experimentar com espécies mais exóticas.

  — Se precisar de ajuda com algo mais pesado para preparar a terra ou construir cercas, é só falar — Felipe sugeriu.

  — Obrigada. Por enquanto, estou bem, mas definitivamente agradeceria a ajuda quando expandir o jardim. Mas me surpreende que tenham tempo para isso, n?o vejo o suor do treino nas suas roupas.

  — Bem, sobre isso, n?o acho que estamos em condi??es ideais para treinar…

  A vis?o dos jovens ca?adores era de dar pena; Alex estava com grande parte de seu grande corpo enfaixado e gesso cobria seus dois pulsos esmagados, uma les?o que certamente n?o seria curada rapidamente. Suas feridas sempre voltavam a se abrir, deixando marcas rosadas em suas roupas. Já Felipe, apesar de n?o t?o machucado, apresentava uma tez pálida, como se estivesse doente. Várias de suas costelas foram danificadas no confronto, e até mesmo respirar doía.

  No entanto, um olhar severo apareceu no rosto de Ana, fazendo arrepios passarem pelas nucas dos garotos.

  — Oh, acabei de me lembrar que ainda tenho pernas! Vou correr um pouco, até mais, chefe!

  — Eu vou… atirar em alguma coisa! — Felipe, decepcionado por ter sido abandonado pelo irm?o, rapidamente foi para dentro do refúgio, procurando sua arma em desespero.

  “Bando de pregui?osos”, pensou a mercenária, voltando a cavar a terra.

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