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Capítulo 28 - Espera

  Madame estava no canto do bar escuro, o único ponto iluminado por um pequeno abajur que descansava sobre uma mesa antiga. Ana chegou sem fazer barulho, mas Madame levantou os olhos do jornal em suas m?os e acenou para ela se aproximar.

  — Ana, bom que chegou — disse Madame, sua voz era baixa, mas carregada de urgência.

  — Madame, venho pensando… Precisamos mesmo nos encontrar sempre em pessoa para essas coisas? No mundo atual existem videochamadas, sabe? — respondeu a garota, puxando uma cadeira e sentando-se.

  Madame balan?ou a cabe?a e deu um gole em sua bebida. Com um movimento rápido, jogou as notícias em suas m?os sobre a mesa.

  — é interessante você dar uma sugest?o do tipo, já viu as notícias recentes? A rede está cada vez pior. Satélites e torres est?o sem manuten??o há meses — seus dedos tamborilando sobre a mesa de madeira envernizada pareciam refletir sua impaciência. — As cidades est?o formando suas próprias redes locais, mas estamos passando por sérios problemas de comunica??o. Sabe o mais engra?ado? A capital ainda acredita que pode exigir impostos, como se nada tivesse mudado.

  Ana escutou atentamente, os olhos fixos em Madame, sentindo o peso das palavras.

  — Isso me leva à sua próxima miss?o. Com a perda dos meios de comunica??o, precisamos levar da forma antiga documentos oficiais para um dos nossos ramos mercenários em Leviathan, a cidade móvel. é uma entrega simples, mas vital.

  — Isso n?o parece nada simples, Madame. Se é uma cidade móvel, como vamos encontrá-la? — perguntou a mercenária, arqueando uma sobrancelha, intrigada.

  — A última rota reportada passava pelos arredores de Barueri. Você e seu grupo dever?o estar atentos e prontos para interceptá-la.

  Madame pausou, como se medisse as próximas palavras.

  — E mais uma coisa, por ser uma miss?o longa, vocês ter?o dois meses de descanso após a conclus?o, em vez de um.

  "Mais uma vez, planos adiados. Minha nova armadura terá que esperar. Esse mundo n?o dá trégua", pensou Ana, com uma pontada de frustra??o. Cruzando os bra?os, ela continuou.

  — Hmm, isso é um pouco inc?modo.

  — A mesma reclamona de sempre…

  — Bom, n?o acho que tenho escolha, fico no aguardo do relatório com mais informa??es, espero que o pagamento valha o esfor?o.

  — Vou garantir que valha — respondeu a imponente mulher, dando um leve aceno de despedida.

  Deixando o bar, Ana passou rapidamente para ver o estado de sua m?e, onde deixou um bilhete para Jasmim, a qual n?o voltou a ver depois da briga. Em seguida, convocou uma reuni?o urgente com os demais integrantes da Ironia Divina, explicando os detalhes da miss?o e partindo logo em seguida.

  O grupo se viu cercado por uma amea?a grotesca e inesperada: um bando de seis mordedores, seres horrendos que habitavam as florestas esquecidas do território de Barueri. Eram criaturas altas, ultrapassando dois metros de altura, com corpos esguios e pele pálida que parecia quase translúcida à luz do entardecer. Sem olhos, e sem bra?os, seus rostos eram dominados por mandíbulas descomunais que se abriam de maneira anormal, quase se dividindo ao meio, revelando uma fileira dupla de dentes afiados como navalhas.

  — Estou lutando tanto quanto antes! Estas armas deveriam tornar isso mais fácil, n?o? — reclamou Júlia, esquivando-se por pouco de uma mordida que quase pega metade de seu rosto.

  Alex, limpando o suor da testa, olhou para sua companheira, incrédulo com as palavras ilógicas.

  — Somos Rank E, mas estamos derrubando monstros Rank C. Isso diz alguma coisa, n?o? Olha o que você acabou de fazer!

  Júlia observou um dos mordedores se contorcendo no ch?o, incapacitado pelos choques elétricos da sua espada.

  — Ah, é verdade! — exclamou a ca?adora, um sorriso se formando enquanto a confian?a renovada fluía em suas veias. Ela ergueu sua nodachi e, com um grito de guerra, avan?ou novamente, cortando o ar e encontrando a carne de outro dos mordedores. A eletricidade da lamina chocou o corpo do monstro, fazendo-o convulsionar antes de cair. Eram apenas ferimentos leves, mas abria espa?o para o grupo respirar em meio a luta.

  Alex, já adaptado às manoplas de terra que aumentavam sua for?a e defesa, enfrentava dois mordedores de frente. Cada soco que ele lan?ava era potencializado, fazendo a terra sob seus pés vibrar. Um dos mordedores conseguiu se aproximar demais, mas ao invés de morder, foi recebido por um poderoso soco que o lan?ou vários metros para trás, seu corpo deixando um rastro na vegeta??o amassada.

  — Deixa comigo, Alex! — Notando o golpe do irm?o, Felipe correu em dire??o a criatura caída, preparando sua arma com um sorriso feroz. — Vamos mostrar a eles como fazemos!

  Ajustando rapidamente o angulo do pulso para uma linha de tiro que n?o colocasse seus companheiros em perigo, ele disparou. O som era abafado, mas a eficácia era clara: o mordedor foi atingido diretamente na cabe?a, caindo inertemente com um baque surdo.

  “Eles est?o lutando muito melhor do que o esperado. N?o posso dizer o mesmo de mim mesma.”, pensou Ana. Em posi??o de combate, ela brandia sua longa faca, cuja lamina brilhava com uma luz avermelhada a cada movimento. Em meio aos golpes, um poderoso corte horizontal acertou o vácuo, com a criatura se esquivando com uma agilidade desconcertante.

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  — Brayner, os outros v?o se virar, vamos focar na nossa luta!

  Escondido atrás de uma árvore, o bibliotecário olhava a luta com olhos fascinados, mas foi desperto ao ouvir o grito da mercenária.

  — Certo, me dê um minuto — disse o jovem, abrindo um estranho livro e come?ando a soltar incessantes murmúrios.

  O ar come?ou a rodar ao redor da garota, e seu corpo ficou instantaneamente mais leve.

  — Caramba, sinto como se estivesse voando! Se eu soubesse que você era t?o útil, teria te convencido a entrar para o grupo muito antes.

  Ela disparou novamente contra o estranho ser. Com um salto, o mordedor voou com a mandíbula aberta em dire??o ao seu bra?o direito, mas um giro rápido de desvio abriu a brecha para um contra-ataque, onde Ana acertou várias punhaladas seguidas no est?mago agora exposto.

  A luta se intensificava a cada minuto que passava, e embora os mordedores fossem formidáveis, o grupo demonstrava uma sinergia e um poder que os faziam come?ar a virar o jogo. No meio do caos, a estratégia de luta se adaptava constantemente. Apesar de estar tendo dificuldades, Ana coordenava os movimentos, gritando instru??es sobre quando recuar ou avan?ar.

  A neblina da manh? come?ava a se dissipar, e a luz do sol come?ava a iluminar o campo, revelando mais claramente a extens?o de seu desafio. Apenas um dos seres estava morto, e os demais mordedores, embora feridos, n?o mostravam sinais de desistência, cada um lutando com uma ferocidade desesperada.

  A luta continuava, e o desgaste era visível em todos. Respira??es pesadas, suor misturando-se com a sujeira e o sangue — tanto dos mordedores quanto dos mercenários.

  "Por que ainda parece t?o difícil?", pensava Júlia, enquanto desviava de outro ataque. Ela sentia-se impaciente, e uma pontada de frustra??o era expressa em seu rosto.

  — Ruiva idiota, concentre-se! Use o que treinamos, sinta a arma como uma extens?o do seu próprio corpo! — gritou Ana, percebendo a hesita??o momentanea da jovem.

  — Humpf, você n?o vai longe falando assim com os subordinados.

  Apesar do resmungo, a nodachi foi segurada com mais firmeza. Com uma respira??o controlada, ela antecipou o próximo ataque de um mordedor e, com uma combina??o de movimento e precis?o aprimorada pela sua arma, cortou através do silêncio matinal e da carne do adversário. A criatura emitiu um som gutural, um misto de dor e raiva, enquanto desmoronava no solo.

  — é isso aí! — Felipe gritou em êxtase, uma atitude diferente de seu silêncio rotineiro.

  O confronto parecia se eternizar, mas a pequena vitória revigorou novamente o grupo. Alex, ao lado de Júlia, mostrava-se igualmente capaz com as manoplas. A terra ao seu redor tremia cada vez que ele golpeava, e em uma ousada tentativa, socou o ch?o, usando o ambiente a seu favor para criar pequenas barreiras de terra que evitaram o flanquear dos mordedores.

  — é assim que se luta! — gritou ele, para si mesmo, reafirmando sua capacidade recém-descoberta.

  à medida que a luta se desenrolava, o grupo come?ou a empurrar lentamente as criaturas de volta para a floresta. A batalha culminou em um momento de clareza e violência bruta, onde o senso de unidade do grupo nunca esteve t?o palpável.

  Júlia, agora completamente sincronizada com sua nodachi, encontrou a cadência perfeita de seus golpes, cada um carregado com o peso de sua determina??o renovada.

  Alex, adaptando-se ao fluxo da luta, usava suas manoplas para n?o apenas atacar, mas também para proteger, especialmente quando um mordedor se aproximava perigosamente de Felipe.

  Brayner apoiava a todos com estranhos encantamentos que variavam entre aumentos de velocidade e rápida recupera??o do cansa?o.

  Felipe observava a cena de um ponto estratégico, fornecendo suporte essencial. Sua prótese agora n?o era apenas uma parte de seu corpo, mas uma arma formidável que lan?ava projéteis energizados com precis?o mortal.

  O sol, agora totalmente visível no horizonte, lan?ava raios de luz através das árvores, iluminando a cena com um esplendor quase místico. As sombras dan?avam ao redor deles enquanto lutavam, cada movimento uma dan?a mortal entre predador e presa.

  Finalmente, exaustos mas vitoriosos, observaram os últimos dos mordedores recuarem, derrotados. O grupo, ofegante e coberto de suor e sangue, permitiu-se um momento de descanso.

  — Vejam só, vocês evoluíram muito. Quem diria que criaturas rank C cairiam para nosso pequeno grupo em t?o pouco tempo — Ana permitiu-se um raro sorriso de aprova??o ao verificar cada membro, notando que suas breves palavras encheram seus semblantes de orgulho.

  “Se eu n?o me apressar, em breve me tornarei um peso morto… Preciso urgentemente dar um jeito de superar meus limites atuais.”, refletiu Ana, observando os membros absorverem vagarosamente a mana dos mordedores mortos. Apesar de sua lideran?a ter sido essencial para a vitória, nem mesmo um inimigo caiu perante seus ataques.

  Após a tensa batalha, o grupo de Ana prosseguiu, adentrando territórios cada vez mais isolados, onde viu singulares culturas emergentes.

  A primeira cidade que encontraram, Santana, era um oásis verde no meio da devasta??o. As ruas se transformaram em labirintos de planta??es suspensas e jardins verticais, onde casas e edifícios se entrela?avam com trepadeiras e ervas medicinais. As pessoas, vestidas com roupas simples, trabalhavam juntas, colhendo e tratando plantas com um cuidado quase ritualístico.

  — Olha só isso, nunca imaginei que veria uma farmácia crescer diretamente do ch?o — comentou Júlia, enquanto tocava uma das folhas, o rosto iluminado pelo sol que se filtrava através das folhagens.

  — Isso é mais do que uma farmácia, a cidade toda é uma forma de vida. Vejam como eles utilizam cada espa?o disponível. Eles n?o aprenderam a viver com a natureza, se tornaram parte dela — Ana respondeu, seus olhos analisando a integra??o perfeita entre o urbano e o natural.

  A conversa entre os habitantes era tranquila, mas carregada de um orgulho silencioso por sua resiliência e inova??o.

  A próxima cidade foi Osasco, e apresentava um contraste gritante com a anterior. Aqui, o som de marteladas e o calor das forjas eram omnipresentes. A economia girava em torno da produ??o de armaduras e armas. Apesar da atmosfera industrial, a cidade era vibrante de cor. Murais grandiosos adornavam paredes e muros, cada um contando sobre mitos e lendas dos dois mundos mesclados. Os artistas, com as m?os t?o calosas quanto as dos ferreiros, pintavam com cores vivas e temas audaciosos, transformando a cidade em uma galeria de arte ao ar livre.

  — Cada mural aqui conta uma história mais intensa que muitos livros — observou Brayner, parando para admirar a imagem de uma batalha mítica entre homens e monstros.

  — E pensar que essas imagens s?o feitas pelas mesmas pessoas que forjam as armas para combater esses monstros... é poético, n?o acha? — Felipe acrescentou, tocando o tra?ado de uma lamina pintada que parecia cortar o próprio céu.

  Ana observava tudo, absorvendo cada detalhe. Um mural em particular chamou sua aten??o, sua delicada e abstrata arte se parecia muito com algo que ela já havia visto, mas por mais que tentasse, n?o conseguia se lembrar onde.

  — Ei, você — falou ela, chamando um cidad?o que caminhava a passos lentos próximo ao grupo — Desculpe a pergunta, mas quem pintou isso?

  — Ah, um visitante! — respondeu o homem, come?ando em seguida uma orgulhosa explica??o — Esse é um dos nossos famosos “murais originais”, existem vários semelhantes espalhados pela cidade. Eles simplesmente estavam aqui depois do retorno, ent?o ninguém sabe quem os criou. Sabe o mais engra?ado? S?o pinturas bem modernas, mas nossos especialistas dizem ter quase mil anos!

  O sorriso de Ana congelou, sua mente foi inundada por lembran?as há muito esquecidas.

  “Quem diria que ainda estariam t?o bem conservados… Me pergunto se minhas anota??es também est?o perdidas por aí.”, com um aceno e palavras rápidas, ela agradeceu o cidad?o, o qual seguiu lentamente seu caminho, feliz pelo interesse de um forasteiro. Ao fundo, os outros seguiam conversando.

  — A arte e o a?o trazem tanta inspira??o. Talvez devêssemos considerar algo assim quando voltarmos — sugeriu Alex, já pensando em como poderiam integrar esses elementos na Ironia Divina.

  — Do que está falando? Já temos algo assim, está bem aqui!

  O grupo acompanhou com os olhos o dedo esticado de Júlia, chegando até a elegante espada que estava em sua cintura. Era uma forma diferente de arte, mas nenhum deles discordou que tinha muito da atmosfera vista na cidade.

  Continuando a viagem, a discuss?o entre eles girava em torno das diferentes maneiras pelas quais as comunidades adaptavam-se e transformavam suas realidades. Era evidente que, apesar das adversidades, a humanidade encontrava maneiras de florescer.

  Naquela mesma noite, o grupo chegou na regi?o onde deveriam esperar. Depois de dias intensos, o calmo acampamento foi um local de merecido descanso. A alerta ainda era mantida, já que ocasionalmente um grande lobo ou goblin aparecia para atacá-los, mas nenhum grande perigo foi visto enquanto os dias passavam, um de cada vez, devagar.

  Em uma manh? silenciosa, apenas perturbada pelo som distante dos pássaros e o sussurro do vento, Ana sentiu uma paz rara. A garota deixou seus companheiros ainda dormindo e caminhou até um penhasco próximo, se deparando com uma paisagem t?o fantástica quanto os mais belos contos de fantasia, com um vasto tapete de nuvens e neblina se estendendo até o horizonte.

  Talvez inspirada pelo momento de serenidade, uma melodia de uma can??o que Marina costumava cantar veio-lhe à mente, e ela come?ou a cantarolar baixinho. A música, carregada de nostalgia e esperan?a, parecia se fundir com a brisa, carregando consigo memórias de dias mais simples.

  Foi ent?o que, ao abrir os olhos após uma pausa na can??o, a mercenária viu algo inacreditável: um olho gigantesco se abriu entre as nuvens, observando-a diretamente do céu.

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