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Capítulo 182 - Anjos, Caos e Gaveteiros

  — Essa última parte do filme foi realmente interessante — comentou Gabriel, sua voz soando distante, como se ele estivesse falando para algo que n?o estava realmente ali.

  Ana ficou quieta.

  Sentada com os bra?os relaxados ao lado do corpo, seus olhos estavam fixos em algum ponto qualquer, mas sua mente estava longe dali. Pensamentos se empilhavam em sua cabe?a, formando camadas que ela n?o conseguia separar ou organizar.

  O anjo a observou, inclinando levemente a cabe?a.

  — Você está feliz, Ana?

  A pergunta quebrou o silêncio como um caco de vidro atravessando um espelho perfeito. Ana virou a cabe?a lentamente para encará-lo. Seus olhos carregavam um peso que palavras nunca poderiam expressar completamente.

  — Feliz? Na verdade... neste momento, n?o.

  Gabriel assentiu, como se já esperasse a resposta. Seu olhar n?o mostrava surpresa, mas sim algo mais profundo: compreens?o.

  — Entendo — ele respirou fundo, o som do ar saindo de seus pulm?es carregado de uma resigna??o quase física. — Maldita vida…

  As palavras ecoaram no espa?o ao redor, t?o densas quanto o silêncio que vieram interromper. Sem dizer mais nada, se levantou. Seus passos eram lentos, cerimoniais, enquanto caminhava até um gaveteiro discreto que estava ao lado da rainha.

  — Sabe, n?o te culparei pelo meu suicídio, estou satisfeito o suficiente com minha curta existência. Aqui é t?o parado, e o tédio é realmente o pior dos males…

  Conforme ele se aproximava, algo come?ou a se formar em sua m?o.

  A princípio, era apenas uma sombra líquida que escorria entre seus dedos. Mas logo come?ou a se solidificar, moldando-se em uma chave negra. Sua superfície era opaca, n?o brilhando mesmo sob a suave luz dos vitrais.

  Gabriel parou diante do gaveteiro, mas antes de abrir, ele olhou para a mulher milenar.

  "Ela parece exausta," pensou, sentindo uma rara pontada de tristeza contida. "Exausta de tudo. De mim. Do mundo."

  Girou ent?o a chave na fechadura.

  O som da trava se abrindo parecia mais alto do que deveria, reverberando pelo espa?o, como se fosse um grandioso sino. A gaveta deslizou para fora, e o ambiente ao redor pareceu tremer levemente.

  — Adeus, minha amiga.

  A chave em sua m?o desfez-se em fuma?a, e Gabriel ergueu a m?o direita. Seus dedos fizeram um gesto já conhecido, e logo o apontou para a própria cabe?a.

  Por um momento, ele hesitou, seu olhar perdido em algum lugar entre memórias, vis?es e um mar de possibilidades perdidas.

  Bang!

  O som foi seco, mas parecia atravessar a própria pequena realidade em que se encontrava.

  O gaveteiro tombou para trás, com suas gavetas se abrindo ainda mais e espalhando conteúdos absurdamente banais pelo ch?o: papéis amarelados, canetas, cadernos com anota??es desbotadas e até mesmo um pequeno grampeador.

  Mas ninguém olhou para eles, pois, no mesmo instante, uma escurid?o come?ou a se espalhar pelo espa?o.

  N?o era uma ausência de luz comum, mas sim algo mais denso, mais vivo. A escurid?o parecia pulsar, como se tivesse uma respira??o própria. Ela come?ou a cobrir o mundo ao redor, engolindo cada pequeno detalhe por onde passava.

  O ambiente inteiro foi envolvido em sombra, uma penumbra que parecia carregar um peso imensurável.

  E ent?o, t?o rápido quanto surgiu, a escurid?o come?ou a se reunir, convergindo como um redemoinho, girando e se comprimindo em um ponto singular.

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  Esse ponto se moveu com precis?o, avan?ando diretamente para Ana.

  Por fim, desapareceu no momento em que tocou sua pele, como se tivesse sido devorada por ela, absorvida completamente em seu ser.

  Ana n?o se moveu, apenas ficou ali, processando o que acabara de acontecer.

  — Ele nem deixou eu dizer adeus…

  Bufando, se espregui?ou e finalmente levantou do ch?o.

  Tudo ao redor parecia ter se reorganizado, mas n?o de maneira lógica. O caos continuava, só que agora havia um padr?o estranho e ritualístico.

  Os fragmentos coloridos que formavam o mundo ao redor estavam mais escuros, como se um véu sombrio tivesse sido lan?ado sobre eles. As cores brilhantes, antes vívidas e quase reconfortantes, agora pareciam sufocantes, carregadas de peso.

  Em meio às raízes que se entrela?avam com flores escuras nas paredes de vidro, crescendo e se espalhando até invadir cada canto daquele espa?o, algo novo surgiu: grandes e pesadas bandeiras vermelhas.

  Repentinamente come?aram a se desenrolar. Os movimentos eram lentos, e seus luxuosos tecidos pendiam de forma irregular. Olhando mais a fundo, Ana notou que, apesar da maioria estarem firmemente presas às raízes, outras flutuavam no ar como se desafiassem a gravidade.

  — Ficou ainda mais bagun?ado... — murmurou, tocando suavemente uma das bandeiras que passava vagarosamente acima de sua cabe?a. O tecido era macio e frio, mas a textura parecia mudar levemente sob seus dedos.

  O objeto oscilou com o toque, virando-se e revelando a máscara dividida de Insídia em seu centro. O símbolo, que deveria evocar ordem e unidade, parecia fora de lugar, quase zombando dela em sua disposi??o caótica.

  Por fim, a rainha baixou o olhar e franziu a testa, com um desconforto crescendo em sua mente.

  Um instante atrás, ela tinha certeza de que os gaveteiros estavam organizados em incontáveis fileiras alinhadas. Um padr?o perfeito e monótono que parecia se estender para sempre. Mas agora...

  No espa?o de um piscar de olhos, tudo havia mudado.

  Com suas estruturas simples, os móveis de escritório estavam dispostos em um círculo ao redor de onde ela estava. Cada linha dos móveis formava uma tra?ado que parecia se estender até o infinito, convergindo em dire??o a Ana.

  — Oito linhas... — murmurou para si mesma, tentando entender. — Por que oito?

  O arranjo era inquietante. O espa?o ainda era enorme, mas de alguma forma parecia mais apertado.

  Foi ent?o que o ch?o sob seus pés tremeu.

  Era uma tremedeira profunda, e mesmo sem emergir qualquer som, assemelhava-se a um animal muito antigo despertando de um longo sono. Ana sentiu a vibra??o subir por suas pernas, seu corpo todo reagindo como se estivesse sendo avisado de algo iminente.

  No centro do caos, o solo se partiu, rachaduras se espalhando como teias de aranha.

  Com um movimento lento e inevitável, um trono emergiu do ch?o.

  O trono era imponente, mas n?o novo. Parecia algo que havia sido esquecido por eras, resgatado das profundezas de uma memória perdida.

  Tal como o restante deste mundo mental, a estrutura era grotescamente bela. Raízes grossas formavam sua base, subindo e se entrela?ando em seu corpo, enquanto flores negras e pequenas luzes esverdeadas brilhavam fracamente entre os detalhes. Era um trono que parecia ter nascido da própria terra e do esquecimento.

  E nele, sentado como se sempre tivesse estado lá, estava Gabriel.

  Ana parou por um momento, analisando a figura do anjo. Ele parecia relaxado, quase desinteressado, mas algo em sua presen?a carregava uma gravidade opressiva.

  — Veio mais um — resmungou ela baixinho, revirando os olhos.

  Gabriel ergueu o rosto devagar. Seus olhos estavam frios, e sua express?o parecia t?o neutra que trouxe certa nostalgia para a rainha.

  Olhou ao redor devagar, analisando o ambiente até pousar a vis?o no cadáver no ch?o, o corpo do outro anjo, o que acabara de cair.

  Ele franziu a testa, balan?ando a cabe?a levemente, como se estivesse desapontado.

  — Que merda…

  Sem pressa, come?ou a abrir e fechar as m?os, seus dedos estalando suavemente. Cada movimento parecia deliberado, como se estivesse ajustando algo, testando uma funcionalidade invisível.

  — Ent?o voltamos para essa parte da história? — perguntou, finalmente quebrando o silêncio com uma voz repleta de ironia.

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