— Ela está acordando! Marina, vem aqui rápido!
— Tem certeza? Ela n?o está só murmurando de novo?
— Sim, ela está me encarando, olhos bem abertos!
“Uma cena animada”, Ana refletiu, uma sombra de humor tocando sua mente enquanto absorvia as duas vozes contrastantes de preocupa??o e ceticismo.
O ar frio da noite acariciava sua pele, trazendo consigo o cheiro de terra molhada e fuma?a da fogueira. Essa combina??o inesperada trouxe um conforto inesperado que a fez se sentir estranhamente em casa. Ela fez uma tentativa de se levantar, mas a dor aguda que disparou através de suas pernas foi um lembrete cruel das batalhas enfrentadas recentemente. O mundo girou brevemente antes de ela cair para trás novamente.
— Ei! você tem que descansar, suas feridas n?o s?o leves. Por sinal, você consegue falar? Me chamo Júlia! Posso saber o nome da nossa salvadora?
— Eu me chamo Ana. — sua resposta para a ca?adora ruiva, que aparentemente liderava o pequeno grupo, saiu mais áspera do que pretendia, a desorienta??o ainda emaranhando seus pensamentos.
Olhando em volta, viu os demais integrantes cuidando de seus ferimentos e arrumando o acampamento. Para sua surpresa, o garoto que ela pensou estar morto estava apoiado em uma árvore próxima, seu corpo todo foi enfaixado e um de seus bra?os estava faltando, mas sua respira??o parecia estável.
— é um prazer, Ana. Ei, vocês n?o v?o vir aqui? — gritou Júlia, com uma sincera express?o de gratid?o no rosto.
Marina lan?ou um olhar preocupado para Alex, que respondeu com um aceno de cabe?a quase imperceptível. Esses pequenos gestos n?o passaram despercebidos por Ana, que come?ou a perceber a teia de la?os invisíveis que unia o grupo. Os jovens ca?adores se aproximaram, suas express?es misturando admira??o e incredulidade.
— Fico feliz que tenha acordado, me chamo Alex. Devo minha vida à você, assim como a vida do meu irm?o, Felipe — quase se curvando e com lágrimas em seus olhos, o jovem ca?ador da lan?a agradeceu Ana. — Seja lá o que você precisar, saiba que estaremos dispostos a te ajudar.
— Eu digo o mesmo… me chamo Marina — em curtas palavras e sem encarar os olhos de Ana, a maga expressou sua gratid?o.
— N?o se preocupem com isso, eu fiz isso para sobreviver, n?o por vocês.
— Isso n?o muda o fato de que nos salvou — retrucou Júlia.
— Que seja…
Pouco acostumada com tantas intera??es em um curto período de tempo, ela se distanciou mentalmente da conversa, come?ando a inspecionar suas próprias feridas. Ela n?o havia reparado ao acordar, mas também estava enfaixada.
— Obrigada por isso.
Alex apenas respondeu com um aceno de m?o. Os demais ca?adores já haviam se afastado ao notar que Ana n?o estava muito afim de conversar.
Agradecida pela considera??o dos jovens em deixá-la sozinha, ela direcionou o olhar para a faca depositada cuidadosamente ao lado de seu corpo.
“O que você estava tramando, Gabriel?”, a arma, um reflexo de noites incontáveis na fornalha, parecia guardar segredos que nem mesmo ela compreendia.
Ana colocou a faca no nível dos seus olhos. Uma pequena fresta estava entre a empunhadura e a bainha, um espa?o de poucos milímetros que só foi notado devido a ela ter feito o equipamento com as próprias m?os.
— Que estranho, eu tinha certeza que ela encaixava perfeitamente — murmurou para si mesma.
Ela puxou a faca para fora, seu corpo t?o escuro quanto a noite deslizou elegantemente para suas m?os. O brilho vermelho de antes havia sumido, voltando a apresentar sua aparência quase ordinária. Estranhamente dois pequenos riscos estavam em seu gume.
— Isso sim é uma surpresa…
Ela sabia a robustez do objeto em suas m?os, as duas criaturas de antes, por mais fortes que fossem, n?o eram capazes de fazer tais arranh?es. “Também n?o foram eles, é impossível”, pensou ela enquanto olhava de relance para os jovens.
— Parece que vou precisar de mais alguns experimentos — ela ponderou alto após uma inspe??o meticulosa sem descobertas claras. Com um suspiro, Ana tensionou os músculos da perna ainda se recuperando, desafiando a dor que amea?ava mantê-la prostrada, for?ando-se a levantar.
— Oh, você já está de pé? Isso é incrível, achei que você ia ficar na cama por dias. Como esperado de uma ca?adora rank D. — disse Júlia de longe.
— Ca?adora rank D… — Ana repetiu baixinho com certo desgosto, uma semente de desafio permeava sua voz. Rank D estava longe do que esperava chegar com seu treinamento atual, mas sabia reconhecer seus limites, ela n?o queria morrer à toa tentando enfrentar criaturas mais fortes do que aguentava. Infelizmente o mundo n?o facilitou pra ela.
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Ao olhar para a fogueira acesa, ela reparou em 4 bras?es queimando lentamente, os mesmos que estavam acoplados às armaduras do grupo nesta manh?. Reparando o olhar perplexo de Ana, Alex explicou:
— Era nossa última chance. Falhamos em algumas miss?es nas últimas semanas, ent?o o chefe da guilda disse que n?o devíamos voltar se a de hoje também desse errado — com um sorriso de auto-consolo, ele acenou em dire??o a um canto do bosque.
Ana n?o havia reparado, mas 7 corpos estavam enfileirados embaixo das árvores. Eram os trabalhadores que viu mais cedo. Ninguém havia reparado durante o desespero da batalha, mas ao que parece a segunda criatura os matou antes de ir ajudar seu companheiro.
— é uma pena n?o termos conseguido ajudá-los — na realidade ela n?o sentia nada em rela??o ao assunto, mas sabia que a indiferen?a traria um clima ainda mais pesado.
— N?o se culpe, n?o havia o que fazer, foi puro azar. — murmurou o garoto enquanto olhava para o céu, claramente escondendo mais uma vez as lágrimas que come?aram a se formar. — Olhando pelo lado bom, gra?as a você sinto que estou muito próximo de me tornar um ca?ador rank E. Nunca imaginei que a mana de um monstro desse nível iria me ajudar tanto.
Como se refor?ando as palavras de Alex, o resto do grupo olhou entre si com sorrisos radiantes. Até mesmo Felipe, que estava descansando, n?o p?de deixar de ficar feliz ao sentir sua existência crescer.
“Merda, quem diria que eu teria inveja de alguém nesse mundo?”, Ana n?o p?de deixar de xingar internamente ao perceber a satisfa??o dos ca?adores ao absorverem toda a mana do monstro que ela matou.
Enquanto se perdia em pensamentos, ela sentiu uma pequena m?o encostando em suas costas.
— M-me desculpe… eu n?o consegui consertar sua armadura mágica, n?o entendi as runas… — falou Marina. Ana viu o tremor nas m?os da maga, a frustra??o e o desejo de ajudar.
— Armadura mág… — Ana parou em meio a sua pergunta, vendo a armadura meio destruída nas m?os da maga.
“Eles n?o perceberam que é apenas uma pe?a normal de a?o?”, refletiu com um sorriso sutil de zombaria. Por fim, ela achou melhor n?o demonstrar que n?o fazia ideia do que Marina estava falando.
— N?o se preocupe, sei que deu o seu melhor.
— Pode me dizer quem a fez? Se eu sobreviver a essa noite, vou precisar de um bom engenheiro mágico para fazer minha prótese — interrompendo as duas garotas, Felipe lan?ou a pergunta repentina. Seu olhar ia de Ana para seu ombro esquerdo repetidamente, ainda estranhando o vazio onde seu bra?o deveria estar.
— Infelizmente n?o sei quem foi seu criador, a encontrei em Aurórea. — Ana inventou uma mentira qualquer, n?o tinha raz?o para dar explica??es inúteis de que ela foi quem forjou a armadura.
— Eu entendo… é uma pena, sinto que com um desses eu n?o precisaria nem mesmo usar um escudo, é t?o resistente — sussurrou ele, fechando novamente os olhos para voltar ao seu descanso.
“é possível fazer próteses funcionais com magia?”, seu interesse pela recém mencionada engenharia mágica cresceu aos trancos e barrancos com o conteúdo da conversa anterior.
— Bom, preciso ir andando, quero jantar em casa hoje — em tom de brincadeira, ela come?ou a se afastar do grupo, voltando da dire??o da qual havia vindo pela manh?.
— Ana, tem certeza que está bem? — Júlia parecia preocupada enquanto fazia a pergunta. — Você sabe... já vai dar 20h, os port?es est?o fechados.
— E sobre o jantar, bem, talvez n?o seja uma preocupa??o imediata. Afinal, provavelmente já estamos todos mortos — Alex lentamente se levantou do tronco onde estava sentado. Em seguida, pegou a lan?a que estava apoiada a seu lado e entrou em posi??o defensiva em frente ao seu irm?o.
Entendendo a situa??o a partir da estranha rea??o de seu colega, o resto do grupo correu para fazer o mesmo, cercando o jovem machucado. Era notável que estavam fracos, mas os olhos brilhantes que come?aram a surgir na escurid?o da floresta n?o pareciam querer dar tempo para descansarem.
Um vento gelado soprou através do acampamento, fazendo as chamas da fogueira oscilarem. Uma sensa??o de inquieta??o tomou conta de Ana, como se a floresta estivesse segurando a respira??o. Nem um grilo cantava, nem uma folha se mexia e seu instinto de sobrevivência disparava alarmes silenciosos em sua mente.
Ela sabia, antes mesmo de ver os olhos brilhantes se aproximando, que a noite ainda guardava suas próprias histórias.
“Que mundo de merda”
A faca já havia saído de seu cinto enquanto seu corpo se lan?ava em dire??o a um dos pequenos seres que se aproximava.
A madrugada trazia consigo o silêncio do esgotamento. O grupo, antes unido pela urgência da sobrevivência, agora movia-se com a lentid?o dos vencidos, embora n?o tivessem sido derrotados. A batalha contra os goblins e os mais temíveis hobgoblins havia se estendido pela noite, cada momento um teste de resistência, cada confronto um desafio à morte.
O cenário em frente a Ana provinha diretamente de um filme de terror: partes verdes decepadas eram vistas em todo o cenário, uma mistura macabra de bra?os, pernas e orelhas que representava a brutalidade da luta que tiveram. A grama, antes de um verde vibrante, estava completamente tingida de vermelho e o ar agradável do bosque foi substituído por um cheiro pungente de morte.
“Temos sorte de serem monstros que mal beiram o rank F”, ela tentava se alegrar com pensamentos otimistas, mas até mesmo isso fazia seus músculos cansados reclamarem.
Com a primeira luz do amanhecer tingindo o céu de um cinza pálido, eles se reuniram em um círculo quebrado, mais um conjunto de sombras do que uma equipe de combatentes vitoriosos. Sem palavras, com o peso da noite gravado em seus olhares, come?aram a dividir os espólios da luta: armas desgastadas, armaduras fragmentadas, peda?os de metal que brilhavam sob a luz incipiente como se rissem da própria inutilidade.
A falta de conversa n?o era uma ausência de gratid?o ou companheirismo, mas uma manifesta??o palpável do cansa?o que se apossara de todos eles. As palavras se mostravam inúteis frente à exaust?o compartilhada; seus olhares diziam tudo o que a língua se recusava a expressar.
A carne goblin n?o tinha muita utilidade, ent?o foi totalmente descartada pelos ca?adores, mas eles tinham olhares gananciosos em rela??o às duas criaturas rank D. Apesar disso, sabiam que n?o tinham direito sobre elas.
— Podemos te ajudar a pegar as partes importantes — ofereceu Júlia, lembrando-se da dificuldade extrema que tiveram para cortar a carne do monstro durante a batalha.
— N?o, eu fa?o isso — se aproximando das carca?as com movimentos lentos, Ana mais uma vez puxou a faca de seu cinto.
Ao longo de suas ca?adas de séculos atrás, Ana aprendeu a identificar com precis?o pontos vitais de corpos de animais, removendo milhares de vezes suas peles com uma precis?o impecável. Apesar de n?o ser exatamente um animal que estava em sua frente, o corpo da garota moveu-se instintivamente, fazendo cortes cirúrgicos no duro couro. Ossos, músculos e tend?es sairam quase que sozinhos.
O queixo dos jovens ca?adores quase tocava o ch?o com surpresa. Se n?o tivessem visto de perto suas incríveis habilidades de luta, pensariam que Ana era uma cozinheira lendária que estava de passagem, pela incrível maestria com que cortava a carne.
— Preciso apenas dos ossos — disse ela enquanto limpava a faca e juntava os robustos restos em um saco improvisado.
— Você tem certeza? Sabe o quanto vale a carne de um monstro ranque D? é quase uma iguaria em restaurantes comuns — replicou Alex, sentindo-se mal por ficar com uma recompensa t?o grande.
— N?o é como se eu pudesse ter vencido sozinha, apenas peguem — resmungou Ana com um tom cansado, sem querer discutir mais.
— Obrigado! — os quatro disseram quase que em uníssono, animados pela bondade inesperada.
Quando a divis?o dos materiais foi concluída, um aceno de cabe?a coletivo serviu como adeus. N?o havia energia restante para despedidas calorosas ou promessas de reencontros. Cada um partiu para sua própria casa, seus passos arrastando-se pela terra ainda manchada pelo sangue.
— Ah, parece que todos estamos indo pelo mesmo caminho! — a voz de Marina rompeu o silêncio, mais alta do que ela pretendia devido ao cansa?o e alívio pós-batalha. Ela corou, surpresa por sua própria ousadia. Mas sua observa??o, embora simples, serviu como um bálsamo para a tens?o que envolvia o grupo.
— Bem, dada a nossa sorte, parece que só existe um port?o nesta cidade... Ent?o, parece que teremos a honra da companhia uns dos outros por mais algum tempo — Júlia lan?ou um sorriso cansado, quebrando a rigidez do momento. Sua brincadeira leve convidou um aceno de cabe?as compreensivas e até mesmo um esbo?o de sorrisos entre eles.
O silêncio ainda caia sob seus passos, mas diferente da atmosfera sangrenta de antes, uma faísca de companheirismo era sentida no ar.
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